Mais uma vez a indústria brasileira expõe suas vulnerabilidades e sofre com a dependência externa e com uma cadeia produtiva desbalanceada. Neste momento, seu principal problema é a escassez de componentes eletrônicos no mercado internacional, em especial de chips, o que levou várias fábricas de veículos do País a interromperem algumas de suas linhas de produção. Uma consequência direta dessa interrupção é a notável redução da oferta de carros novos para o consumidor, reproduzindo um cenário que não se via no Brasil desde os anos 1980. Em várias concessionárias do País, a fila de espera por um automóvel ou uma picape zero quilômetro é de 120 dias e os preços dispararam. Analistas do mercado acreditam que haverá um corte de 15% na previsão de produção de 2,5 milhões de veículos neste ano.

SUPRIMENTOS Linha de montagem do Onix, da GM: produção só volta em agosto (Crédito:Daiana Berto)

Um carro novo, hoje, é quase um produto eletrônico, com pelo menos 600 chips embarcados. Por causa da pandemia, houve uma importante redução na produção de semicondutores na Ásia, principalmente na China, em Taiwan e na Coreia do Sul, e as entregas diminuíram. Com o ligeiro reaquecimento do mercado, os fornecedores foram surpreendidos com a escala reduzida. A expectativa é que a situação só volte a se normalizar a partir de outubro. “A falta de semicondutores foi um balde de água fria no setor automotivo, que começava a se recuperar”, diz Milad Kalume Neto, diretor de desenvolvimento de negócios da consultoria Jato. “Quando a China sofre um problema, ela primeiro abastece a si própria e depois a Europa e os EUA. Só aí o Brasil, que é extremamente dependente desses componentes, é atendido.”

Em 21 de junho, a Volkswagen e a General Motors paralisaram suas unidades no ABC Paulista. As fábricas da montadora alemã devem reabrir em julho, mas a situação da GM é mais complicada. Sua fábrica em Gravataí, na Grande Porto Alegre, que produzia o novo Onix, carro mais vendido do Brasil, parou em abril e só reabrirá em agosto. O Onix, com exceção da versão antiga Joy, feita em São Caetano do Sul (SP), desapareceu das concessionárias. Segundo a GM, cada Onix tem mil chips, 400 a mais que um compacto padrão. Não é uma situação apenas das duas empresas. A Renault paralisou a produção em São José dos Pinhais (PR), durante seis dias em maio e junho. A Hyundai, no interior paulista, reduziu a montagem do carro HB20 a apenas um turno. Entre todas as montadoras com fábricas no Brasil, apenas a Toyota não parou e está abastecida, devido ao uso do seu “próprio sistema logístico global”.

“A falta de chips é um balde de água fria na indústria de veículos, que começava a se recuperar”, Milad Kalume, diretor da Consultoria Jato (Crédito:Divulgação)

Embora a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) mantenha suas projeções, fontes do mercado já calculam que serão fabricados, neste ano, apenas 2,150 milhões de veículos no Brasil, um crescimento de apenas 150 mil unidades sobre 2020. Com o dólar ainda acima de R$ 5, dificilmente o consumidor poderá comprar um modelo importado – mesmo porque o problema da falta de semicondutores é mundial e a produção automotiva está em queda em outros países. A Anfavea admite que, até agora, a produção mensal não conseguiu superar 200 mil carros. O temor da indústria é não conseguir atender a demanda no 2º semestre, sempre mais forte, e que neste ano deve se acelerar com o avanço da vacinação e as férias do próximo verão. O mercado de usados se beneficia dessa situação e também vê seus preços subirem.

Preços disparam

Segundo Vinícius Melo, diretor-executivo do aplicativo Papa Recall, os modelos usados estão sendo vendidos acima da tabela Fipe e um semi-novo bem procurado no mercado, como o Toyota Corolla, pode ser negociado com uma alta de até 30%. Melo diz que o estoque das concessionárias está em 15 dias de vendas, patamar baixo para o setor, que costumava manter seus estoques entre 30 e 45 dias. A Volkswagen já realizou quatro reajustes na tabela desde novembro do ano passado. Em junho, subiu de novo o preço do Gol 1.0, seu automóvel mais barato no Brasil, cuja versão de entrada custa R$ 61.160. A Fiat também reajustou neste mês os preços dos modelos “populares” Mobi, Uno e Grand Siena. O Mobi, carro mais básico, parte de R$ 45.090 na versão simples, sem ar-condicionado. Sem chips e afetado pelo câmbio desfavorável e pela inflação, o mercado automotivo vive um momento de sobressalto, que exige atenção e cautela do consumidor. Quem pensa em trocar de carro, mas não tem urgência, deveria esperar até o ano que vem.