O mítico Satoshi Nakamoto, que lançou o “manifesto” do Bitcoin em uma lista de emails de criptografia em 2008 e liberou, alguns meses depois, o código aberto da moeda virtual talvez não imaginasse que sua invenção fosse capaz de atrair tantos seguidores ilustres. O fato, porém, é que as criptomoedas deixaram o submundo da internet e saíram das sombras. A consagração desse dinheiro misterioso veio na terça 18, quando o Facebook anunciou a criação do seu próprio meio de pagamento, a Libra. A intenção de Mark Zuckerberg é fazer com que transações e transferências financeiras sejam tão simples quanto o envio de uma mensagem de texto. Até por isso, a intenção é que ela seja compatível com os aplicativos de troca de mensagem da empresa, como o Messenger e o WhatsApp.

O anúncio da Libra rapidamente gerou tumulto entre os governos dos países mais poderosos do mundo. O G7, que reúne os mais ricos, anunciou uma força tarefa para avaliar a Libra, buscando entender como pode regular a criptomoeda, protegendo os direitos dos consumidores e evitando a lavagem de dinheiro. Nos Estados Unidos, onde o Facebook está sediado, uma audiência no Congresso foi marcada para que a empresa seja submetida a questionamentos. A intenção é bastante clara: não deixar que a rede social se torne muito poderosa e faça os bancos centrais do mundo de refém. Constituem a “associação Libra”, por enquanto, 28 parceiros que envolvem empresas de pagamentos, tecnologia e ONGs, incluindo Mastercard, Visa, Uber e eBay. O consórcio terá sede em Genebra, na Suíça, e afirma não ter fins lucrativos.

Além disso, a empresa desenvolverá a própria subsidiária para comandar o fluxo de moedas virtuais, a Calibra. A empresa garante que a carteira digital será completamente paralela à rede social, afirmando que por ser independente do Facebook, não será possível acessar o vasto banco de dados da empresa – o que garantiria ainda mais informações cruciais para manipulação certeira de produtos e marketing. Tentando tranquilizar os bancos centrais do planeta, o Facebook afirmou que a Libra terá lastro nas moedas de menor variação nos mercados financeiros, como o dólar e o euro – sem valor inicial anunciado – supostamente garantindo, dessa forma, a autonomia de política monetária dos países envolvidos. Mesmo assim, apenas a associação Libra terá o controle para “cunhar e queimar” as moedas.

Alta do bitcoin

O potencial no anúncio de Zuckerberg é muito maior do que o de dominar o mercado de criptomoedas. Com a Libra, se ela realmente for tão simples quanto uma mensagem de texto, é possível atingir públicos que não estão contemplados pelo sistema bancário, mas que possuem uma conta no Facebook. No anúncio mais recente, a empresa afirmou contar com cerca de 2.27 bilhões de perfis na rede. “A libra é mais que uma moeda. O que está por trás disso é uma infraestrutura de transação facilitada. Se as pessoas reconhecem a tecnologia, se é fácil de utilizar, então ela fará toda a diferença”, avalia Caio Ramalho, coordenador do FGVNest – núcleo de estudos em Startups e Inovação da Fundação Getúlio Vargas.

Apesar do preço do Bitcoin ter disparado desde então, foi de R$ 38 mil no dia do anúncio para R$ 50 mil na quarta-feira 26, as ações do Facebook permaneceram estáveis, com leve baixa de 0,2% no período. Isso indica cautela com a atratividade da empresa, que ainda tenta se recuperar dos escândalos de vazamentos de dados da Cambrige Analytica, com impacto nas eleições dos EUA de 2016, e de um péssimo balanço de contas divulgado em julho de 2018. Independente da aceitação futura da Libra – mero exercício de adivinhação por enquanto – Mark Zuckerberg, sob inspiração de Nakamoto, mais uma vez se coloca na posição de influenciador global, podendo mudar a forma como a sociedade se relaciona, agora impactando diretamente as relações das pessoas com o dinheiro.

TEMOR Com meio de pagamento de Mark Zuckerberg, transferências financeiras serão tão simples como o envio de uma mensagem de texto: bancos centrais de todo o mundo estão preocupados com a Libra