A extensão da corrupção e subornos na política no Brasil permeou o esporte nacional. A análise é de Richard Peterkin, um dos membros do Comitê Olímpico Internacional (COI) e profundo conhecedor do funcionamento do movimento olímpico. Em entrevista ao Estado, o dirigente admitiu que imagem do movimento olímpico brasileiro hoje é “muito ruim”. Para “sobreviver”, o COB terá de passar por uma reforma total, mudando inclusive a forma de eleger seus dirigentes.

A prisão de Carlos Arthur Nuzman, sua queda e as suspeitas de corrupção levaram o COI a suspender o Comitê Olímpico do Brasil da família olímpica no mês passado. “É improvável que o COI remova sua suspensão até que essas mudanças sejam feitas e implementadas”, alertou o dirigente da pequena Santa Lúcia.

Peterkin passou a ser um dos membros do COI em 2009. No ano seguinte, ele fez parte do Comitê de Finanças da entidade. Desde 2014, o dirigente é membro do Comitê de Marketing do COI. Em 2007 e 2008, ainda foi um dos dirigentes escolhidos pelo COI para preparar regras de boa governança nos esportes. Nas Américas, sua participação também tem sido intensa, sendo que o dirigente conviveu anos com Nuzman. Desde 2000, ele é o tesoureiro da Organização Desportiva Pan-Americana (ODEPA), e foi membro das comissões dos Jogos Pan-Americanos de 2003, 2007 e 2011.

Peterkin diz que fala a título pessoal, mas insiste que o Brasil e seus atletas “foram traídos por alguns administradores esportivos e líderes que sucumbiram à tentação”. “A extensão da corrupção e subornos na política e nos negócios no Brasil permearam as administrações esportivas. Ações para corrigir exigirão uma forte pressão local e internacional, do COI, das federações internacionais, de atletas e do público”, disse.

“O COB parece ter um déficit financeiro e de confiança que precisa ser superado se ele quiser superar essa crise”, afirmou. Peterkin ainda ressalta que atletas, o público e a imprensa no Brasil terão de manter a pressão para garantir que as mudanças ocorram. Seguem os principais trechos da entrevista:

Assim que a crise estourou no Brasil, o senhor escreveu nas redes sociais que o COI precisava agir. Por que era tão necessário?

Quando eu fiz o comentário, Nuzman tinha acabado de ser preso e alegações eram feitas pelas autoridades no Brasil de que ele estava sendo investigado pelo envolvimento em corrupção e pagamentos de propinas relacionados com a campanha do Rio para os Jogos de 2016. As evidências para essas alegações estavam baseadas em documentos encontrados depois de buscas em sua casa, e outras informações que chegaram até as autoridades. O COI adota a posição de que qualquer um envolvido com a família olímpica que seja acusado de impropriedades deve contar com a presunção de inocência até que haja um peso suficiente de evidências de que as alegações sejam verdadeiras, ou quando há um reconhecimento de culpa. Isso é um pilar básico da Justiça natural e, como qualquer outra entidade pública, cuidados precisam ser tomados para não se tirar conclusões ou julgamentos apressados, especialmente quando as alegações podem ser muito danosas aos membros do COI (Nuzman), o COB e o Comitê Organizador. Baseado em evidências e informações que desde então foram tornadas públicas, especialmente o fato de que Nuzman e outro membro do COB foram acusados, a decisão tomada pelo COI de suspendê-lo como membro de honra do COI, suspender o COB e acabar com todas as relações com o Rio-2016 é agora justificado na Carta Olímpica e no Código de Ética.

Por que a decisão?

No momento que o COI agiu, estava claro que as alegações eram muito prejudiciais à imagem e reputação da organização, já que indicavam que membros do COI poderiam ter sido subornados para votar pela candidatura do Rio na sessão do COI em 2009. Na esteira de várias instâncias alegadas e provadas de corrupção em outras organizações esportivas internacionais – Fifa e IAAF – e outras notícias negativas relacionadas com o Rio-2016, o COI tinha de agir rapidamente para controlar qualquer tipo de dano maior para sua imagem, e mostrar que o peso das alegações e evidências eram suficientes para levar às ações que tomou. Pode ser que houve mais informação disponibilizada ao COI, que não foi publicada, que o levou a agir. Mas ficou claro que ficar sentando às margens do campo e esperar uma confissão ou um veredicto de culpa em um tribunal, os apresentaria como francos e indecisos na corte da opinião pública. Eles, portanto, tiveram de agir.

O senhor não acha que o COI levou muito tempo para dar uma resposta?

Não. Agir antes, sem informação ou evidência, poderia ter exposto eles a riscos políticos e legais se as alegações terminassem sendo falsas. Ainda é possível que Nuzman seja exonerado de todas as alegações. Mas a parcela de peso de evidências, e outros fatores que corroboraram, eram suficientes para que o COI agisse quando tomou sua decisão. Mas não antes. À medida que maiores evidências se tornam públicas, ou a falta de evidências provem que as alegações eram falsas ou exageradas, o COI será julgado se ele agiu de forma prematura ou não. Se for revelado que o COI tinha informação suficiente para agir antes, será problemático para eles. Mas não existe base para sugerir isso, nesse caso.

De que forma o escândalo da Olímpica do Rio afeta a “marca” do COI?

É algo muito danoso, mas é difícil ver como o COI poderia administrar expectativas e mitigar riscos melhor do que fez. O escândalo não é apenas a alegação contra Nuzman e o Comitê Rio-2016. É também todo o noticiário prejudicial que veio antes dos Jogos, e todas as notícias e imagens gráficas depois do Jogos que são tão prejudiciais à constatação do legado positivo que os Jogos podem deixar para uma sede. As alegações provadas de corrupção em organizações esportivas internacionais deixaram um profundo e cada vez pior déficit de confiança que existe entre instituições, indivíduos e o público. O COI tem uma governança, ética e padrões fortes. Mas como qualquer outra organização esportiva internacional, foram contaminados pelo ambiente tóxico no qual operam. Não é diferente de empresas globais que foram contaminadas pelas ações da Enron e outras empresas que traíram a confiança dos acionistas e do público. A marca foi afetada. Mas novas medidas foram implementadas desde 2014 – a Agenda 2020 – e novas ações que terão de ser tomadas no futuro imediato devem ser suficientes para conter qualquer prejuízo permanente. Vivemos em tempos perturbados e teremos outros desafios no futuro que afetarão a marca. Mas se for administrado de forma eficiente, eles também passarão. O COI talvez tenha de ser mais proativo para garantir que não haja um dano permanente. Mas não há motivo para acreditar que os desafios não possam ser superados. O tempo dirá.

Essa crise reforça a hesitação de cidades em regimes democráticos a apresentar candidaturas para receber os Jogos?

Qualquer notícia negativa sobre os Jogos ou sobre o COI tem um impacto em cidades em democracias pensando em apresentar candidaturas. Mas o fator que tem levado potenciais cidades ou países a serem mais hesitantes – ou mesmo o abandono como Innsbruck – tem uma relação mais próxima às preocupações econômicas, insegurança e política. Entretanto, enquanto esses fatores estiverem presentes, qualquer problema adicional, tal como escândalos de doping, corrupção ou exigências insensatas sobre os anfitriões, serão usadas para aqueles que se opõem a sediar eventos grandes e caros como os Jogos.

O que é necessário para reverter isso?

O que é necessário é educação e um reforço positivo – e maior participação na renda dos Jogos, para superar essas percepções negativas e mostrar o valor real e legado de seriar uma Olimpíada. A experiência da Olimpíada do Rio não ajuda a causa. Mas não deve ser vista como uma consequência inevitável de sediar ou ser candidato. A escolha de 2024 e 2028 é um exemplo de uma forma positiva pela qual os Jogos podem ser planejados e executados.

Qual é a imagem no exterior do movimento olímpico brasileiro neste momento?

A imagem é muito ruim, como os eventos recentes mostraram. O COB está sob a pressão de mudar sua administração para garantir que possa sobreviver aos danos a sua reputação e imagem, e a colocar suas finanças em ordem. Ele terá de emendar sua constituição e processos para dar ao público no Brasil e ao mundo a confiança de que a organização será mais democrática, transparente e que inspire maior confiança. É improvável que o COI remova sua suspensão até que essas mudanças sejam feitas e implementadas. A imagem do Movimento Olímpico como um todo não foi tão afetada, já que o Brasil sempre será visto como uma forte nação esportiva, com a habilidade de produzir grandes atletas. O país e seus atletas foram traídos por alguns administradores esportivos e líderes que sucumbiram à tentação. A extensão da corrupção e subornos na política e nos negócios no Brasil permeou as administrações esportivas. Ações para corrigir exigirão uma forte pressão local e internacional, do COI, das federações internacionais, de atletas e do público.

O que os senhor sugeriria ao COB como medidas para superar essa crise e recuperar sua participação no COI?

Isso vai exigir uma reforma completa de sua constituição, liderança e operações. Tenho a impressão de que isso já está sendo realizado e que o COI vai ajudar ao recomendar mudanças que possam restaurar credibilidade e confiança à organização. Isso vai impactar em como membros executivos e dirigentes são eleitos, como a organização é financiada, as regras para tornar o COB mais inclusivo, mais transparente e digno de confiança. O COB parece ter um déficit financeiro e de confiança que precisa ser superado se ele quiser superar essa crise. Existem muitos exemplos de como isso pode ser atingido (Fifa e IAAF). Mas exigirá especialistas independentes locais e internacionais, que estão prontos para agir se a organização estiver disposta a fazer as mudanças. Nas atuais circunstâncias, não há escolha se o COB quiser voltar à família olímpica e se beneficiar de muitos programas para ajudar os atletas, treinador e administradores no Brasil. Seria uma pena desperdiçar uma boa crise. Estou confiança de que o COB pode superar os obstáculos para voltar a ser membro do COI. Os atletas, público e imprensa no Brasil precisam manter a pressão para garantir que essas mudanças sejam implementadas de forma urgente.

O senhor acredita que a credibilidade das organizações esportivas esteja em seu ponto mais baixo?

Esse é o resultado infeliz da ganância de muitas pessoas que permitiram que enriquecimento pessoa se transformasse em norma, e a influência corrosiva do comercialismo e do dinheiro na organização de eventos esportivos globais. Uma fraca governança, fraquezas humanas e homens se comportando de forma errado levou à corrupção que afetou severamente a credibilidade de organizações esportivas. O COI teve seu próprio escândalo, nos Jogos de Salt Lake. Mas eu não acredito que o que vemos hoje seja uma repetição do que ocorreu la. Ainda precisamos descobrir se algum membro foi subornado para apoiar o Rio em 2009, ou outra candidatura depois. Mas não existências evidências de que isso seja sistêmico. Como um membro individual, nunca foi procurado ou oferecido presentes para apoiar uma candidatura. Não tenho a impressão de que isso esteja em um aumento. Propina e corrupção se tornaram prevalecentes na política e nos negócios. E entidades não lucrativas não estão imunes das tentativas de outros para influenciar o resultado de eleições que darão maiores benefícios econômicos para um país, cidade ou organizadores. Aconteceu no passado e vai ocorrer de novo. Mas nossa melhor defesa contra essa proliferação de tal corrupção é boa governança, melhores diligências na escolha de novos membros, maior transparência e mudanças nas regras de candidaturas. Estamos num ponto baixo. Mas, para o COI, isso também vai passar. Há como se recuperar e pode ser administrado.