Eis que Brasília assiste a uma nova tomada de poder. O Centrão, aquele bloco político disforme e corrosivo, avesso a práticas republicanas, já assumiu por completo as rédeas no Planalto. Para salvar as duas causas que julga essenciais — a proteção à família contra investigações por malfeitos notórios e a reeleição — Bolsonaro cercou-se do pior. Entregou-se à esbórnia craquenta do toma lá, dá cá, do compadrio fisiológico, da desfaçatez nos arranjos espúrios. E não imagine que fez isso de malgrado. Claro que não!

Quem o conhece de tempos imemoriáveis, sabe e não se deixa levar pelo verniz marqueteiro do Messias senhor das boas novas. Desde sempre quis o mandatário incorporar no governo convicções baixo clero acalentadas em toda a sua trajetória. Obviamente, elas nunca incluíram medidas liberalizantes, privatizações, reformas estruturais e as “baboseiras” de Estado enxuto. Não era da sua crença, natureza ou interesse pregar tantos vitupérios revolucionários. Ele ventilou como promessas durante a campanha? Claro que sim! Precisava arregimentar seguidores à causa.

Ineptos senhores do capital, sedentos por alternativas conservadoras que lhe garantissem lucro, caíram voluntariamente na lorota. Valeu a mentira. Sempre vale, em se tratando da tática prevalente no abecedário do capitão. Mas Bolsonaro tem unidade carnal com as chamadas conveniências paroquiais. Prefere levar vantagem em tudo, certo Gérson? Tome-se o exemplo da indicação desse desembargador Kássio Nunes Marques à cadeira no Supremo Tribunal — e nem vamos entrar no estupendo show de maquiagens do currículo fake do honorável indicado, que inclui cursos inexistentes, plágio de artigos e a turbinada de títulos como método de promoção (de novo? Indagariam os saudosos do episódio Decotelli, que ocupou a pasta da Educação por lapso de dias).

De que critérios se valeu o “mito”? Em suas próprias palavras, precisava ser alguém que tomasse cerveja ao seu lado nos finais de semana. Até tubaína valia. Afinal, na bolsa de valores do capitão, uma rodada de bebida no balcão do boteco substitui qualquer necessidade de qualificação técnica. O presidente também disse buscar alguém “leal as nossas causas”. E quais seriam elas? Um doce para quem adivinhar. Flávio Zero Um Bolsonaro encalacrado já levou papai-mandatário a pedir arrego ao então plenipotenciário do STF, Dias Toffoli.

Ter agora um nome de sua estrita confiança, indicado diretamente por ele, na Suprema Corte, seria mamão com açúcar. “Kássio Nunes já tomou muita tubaína comigo. A questão de amizade é importante, né? O convívio da gente”. A reveladora sinceridade do inquilino palaciano deixa uma mensagem inequívoca: para ele, no plano da Justiça, colocar amigos que atuem como defensores de seus interesses é algo fundamental. Diria: o que basta. Jair Bolsonaro confunde zelo à Constituição com proteção ao governo. Quer ministros magistrados subjugados, prestando-lhe vassalagem e gratidão pela benção da cadeira ocupada.

Equívoco rotundo almejar o Supremo submetido às vontades do Planalto, mas o mandatário não esconde o anseio, materializado na linha de escolha adotada — que, não por acaso, também conduziu à Procuradoria-Geral da República alguém em plena afinação com o ideário de desmantelo da Lava Jato e das sindicâncias anticorrupção. Onde entra o Centrão nisso tudo? A assinatura do bloco está em cada movimento, na seleção dos aspirantes aos postos e nas manobras de reengenharia do poder. O desembargador Kássio é próximo da “turma”, tem o seu aval e o apadrinhamento direto do capo da agremiação, Ciro Nogueira.

Tal e qual, o PGR Augusto Aras, que acaba de livrar o deputado da bancada, Arthur Lira, de investigações por corrupção passiva. Assunto devidamente arquivado. Para que escarafunchar enredos desagradáveis, não é mesmo? Na engrenagem da gestão bolsonarista, o Centrão está fazendo de tudo um pouco. Assumiu diretamente a liderança do governo na Câmara, aboletando na vaga um dos próceres da frente fisiológica, Ricardo Barros, visto, dia desses, retirando o ministro Paulo Guedes pelo braço de uma entrevista coletiva, por não gostar do que ele falava. Haja poder!

Tomado ao pé da letra, Jair Bolsonaro está seguindo, tim-tim por tim-tim, o script traçado pelo Centrão. Que, diga-se, sem falsos dilemas, é o seu também. Diverte-se, no momento, como “pinto no lixo”, para usar uma memorável alusão do mestre carnavalesco, Joãosinho Trinta. Afinal, consegue tudo que sempre sonhou numa mixórdia política que não lhe incomoda. Sempre achou que governar, na exata dimensão do ato, dá trabalho. Melhor, sobretudo, é entregar a tarefa aos profissionais, especialistas na demagogia rastaquera em troca do aparelhamento da máquina. Daí a relevância visível e crescente do Centrão, que inventou até as andanças do capitão pelo Norte/Nordeste para arrebanhar votos enquanto o País vai à breca.

Veio do antológico quadrilheiro Renan Calheiros a senha definitiva para a nova era de apoplexia pública do Planalto. Disse o magnânimo e impoluto representante da doutrinária agremiação do Centrão: “Bolsonaro deixa o grande legado para o Brasil que é o desmonte desse estado policialesco e já encadeou várias medidas: Coaf, a questão da Receita, nomeação do Aras, demissão de Moro e agora a indicação de Kássio… contra a situação que causou muitas vítimas nos últimos anos”. Realmente relevantes as mexidas no tabuleiro. Quem ganhou com elas? Todos sabem.

Não pairam dúvidas: Messias e o Centrão encarnaram a simbiose perfeita. Estão moldando o País a sua imagem e semelhança, dentro de um presidencialismo de cooptação e não de coalizão — como deveria ser, caso o caminho escolhido priorizasse uma plataforma programática. Na verdade, não há muito mais o que esperar de Bolsonaro, tamanha a inaptidão demonstrada para o exercício da Presidência. Passado quase a metade do mandato, é crível imaginar que dessa cartola não sai coelho. Nenhuma política concreta, efetiva e estrutural de fomento ao desenvolvimento e de prestação de serviços essenciais entrou no radar.

Nem Bolsonaro, nem o Centrão dão a menor pelota para mudanças na estrutura administrativa e fiscal. Está evidenciado. Não querem rever privilégios do funcionalismo, acabar com a burocracia ou mesmo ajustar a caótica estrutura de impostos que minam os esforços da iniciativa privada. As distorções seguirão onde estão, enquanto as contas públicas estouram e o risco de flerte descarado com a irresponsabilidade fiscal, via drible do teto de gastos, dá as caras a cada proposta. O mandatário baixo clero jamais encarnou, como idealizaram alguns, a “nova política”. Nem tentou.

Sancionou uma arquitetura de poder que trás, na essência, o latente fisiologismo, o desrespeito às instituições e a farsa como método, enquanto adorna lideranças da base, autarquias e estatais com os notáveis oportunistas de sempre, desalojando técnicos, especialistas e quadros de peso. No domínio de sua caneta “Bic”, o presidente tem feito todo tipo de concessão aos camaradas do bloco. Mandou às favas os escrúpulos de lisura fiscal e administrativa para mantê-los ao seu lado. Por conveniência até. Mesmo no Congresso, foi por meio de figuras da patota do Centrão — exaustivo contar quantas e quais aqui — que a desejada articulação parlamentar acabou efetivada.

Até o sonhado programa populista do “Renda Cidadã”, “Renda Brasil”, ou seja lá o nome a se dar a essa muleta palanqueira, teve como condutor-mor e mestre de cerimônia o hoje líder centrista, Ricardo Barros. No pântano de tantas alianças espúrias, o odor fedorento e putrefato dos esquemas paira no ar. Não há projeto consagrado pelas urnas em andamento. Inexistem esforços sérios e racionais para tirar o País do atoleiro. Apenas a ocupação sistemática, imoral e pusilânime da engrenagem estatal. Aqueles que ofereciam uma lealdade cega ao mandatário abram os olhos para o fiasco da causa. O Centrão dominou.