Rodrigo Pacheco gosta de posar de estadista. Ele engrossou a voz quando as ameaças golpistas de Bolsonaro chegaram ao paroxismo e, recentemente, devolveu à presidência uma MP destrambelhada, que alterava o Marco Civil da Internet.

No entanto, por mais que estufe o peito, o presidente do Senado não fez nada de especial. No primeiro caso, cumpriu o dever comezinho de qualquer político civilizado. No segundo, simplesmente matou na origem um ato normativo inconstitucional.

Difícil mesmo é fazer a coisa certa nas questões complexas. Pacheco, que é um sonso, invariavelmente deixa passar essas ocasiões. Vejamos o caso da reforma do imposto de renda.

O senador disse ontem que vai trabalhar para que a medida, já aprovada na Câmara, seja votada com urgência na casa que ele preside. Disse também que pretende retomar a discussão sobre um imposto de valor agregado (IVA) que substitua diversos outros tributos.

Já escrevi neste espaço e vou repetir: há um desvio de finalidade na reforma do imposto de renda patrocinada por Paulo Guedes e pelo presidente da Câmara Arthur Lira.

Ela não foi feita para melhorar o sistema tributário. Não o torna mais racional nem mais justo.

Seu verdadeiro objetivo, desde sempre, foi atender a um interesse eleitoral de Bolsonaro e sua gangue: a criação do Auxílio Brasil, substituto do Bolsa Família.

Por ser uma despesa fixa, o novo programa assistencial precisa estar acoplado a uma fonte de receita. O projeto de reformulação do IR institui essa fonte: a tributação dos dividendos pagos pelas empresas aos seus acionistas.

É importante ressaltar esse ponto: no entender de Paulo Guedes, que repetiu o raciocínio várias vezes, a vinculação, que resolve um problema “burocrático”, é mais importante que o dinheiro trazido pela reforma aos cofres do Estado.

Tanto assim que o ministro não se mostra preocupado com as projeções da Instituição Fiscal Independente (IFI), segundo as quais o governo pode perder 30 bilhões de reais com a mudança no IR. Guedes acredita piamente que a coleta de outros impostos vai bater recordes no ano que vem e preencher esse buraco.

Alguém dirá que eu estou criticando o governo e os parlamentares por tributarem gente rica, que detém ações de empresas, para atender os mais pobres. É exatamente o argumento que vem sendo utilizado por Paulo Guedes – quem fala mal da reforma é contra o Auxílio Brasil.

Esse argumento é desonesto. A crítica não é ao programa assistencial, mas à gambiarra inventada por um governo incompetente para viabilizá-lo.

Um governo honesto e competente, depois de três anos no poder, já teria realizado uma reforma do Estado, abrindo espaço no orçamento para gastos sociais.

Teria, além disso, trabalhado para entregar a ampla reforma tributária há tanto tempo prometida, e não esse pobre arremedo.

Uma reforma que atacasse de verdade os problemas brasileiros mexeria na mais perversa das tributações, aquela que incide sobre o consumo e prejudica cotidianamente os mais pobres, abocanhando uma fatia desproporcional de sua renda.

Ela simplificaria um sistema tributário insano, componente central do Custo Brasil, que condena o setor produtivo a muitas horas de trabalho estéril, apenas para atender o Fisco.

Sim, uma boa reforma mexeria no imposto de renda – mas não dessa forma atabalhoada e oportunista.

Se Rodrigo Pacheco estivesse disposto a fazer o trabalho que de fato precisa ser feito, ele condicionaria o andamento do novo IR no Senado à discussão dessa reforma ampla, em vez de acolher o monstrengo que veio da Câmara sem nem mesmo esboçar resistência.

Em vez disso, ele se põe a serviço de mais uma medida tosca do governo Bolsonaro, fingindo que está tudo bem.

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PS1: O senador Flávio Bolsonaro disse hoje cedo que Luciano Hang perderia um dia de seu tempo precioso comparecendo à CPI. O Brasil já perdeu mil dias e seiscentas mil vidas com o governo de Jair Bolsonaro. E a conta aumenta.

PS2: Vestido de Zé Carioca, o velho da Havan não perdeu nada, pelo contrário: conseguiu mostrar uma propaganda de sua empresa no meio do depoimento. A CPI errou ao convocá-lo, e errou mais ainda ao deixar que mostrasse o filme.