O ex-presidente Jair Bolsonaro propõe que seja passada “uma borracha” em fatos recentes. Entenda-se, pela expressão “borracha”, deixar impunes os seus seguidores extremistas que invadiram a Praça dos Três Poderes no dia 8 de Janeiro e depredaram prédios públicos representativos da República Brasileira. Esperto ele! Ao pedir que não sejam processados os baderneiros da extrema-direita, Bolsonaro tenta ver-se livre do iminente risco que corre de ir para a cadeia – são graves os crimes dos quais é suspeito: associação criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, deterioração de patrimônio Histórico.

Conforme avançam as investigações, mais vai se tornando nítido o fato de Jair Bolsonaro ser o mentor de todo o horror que ocorreu. O seu objetivo era o de impedir a posse de Lula e perpetuar-se no poder. Ao recorrer à “borracha”, fingindo-se de uma branca pomba da paz, o certo é que Bolsonaro assina uma explícita confissão de culpa: anistia para os que participaram em todos os níveis do vandalismo e, em decorrência, estaria também ele anistiado. O ex-presidente, ao pedir anistia, assinou publicamente a confissão de que é o mentor da tentativa de golpe.

Bolsonaro considera, como todo autocrata, que princípios jurídicos estão à sua disposição para serem interpretadas de modo a lhe renderem vantagens. Deturpa, assim, o sentido histórico da anistia, instrumento jurídico no qual duas ou mais partes conflituosas selam um acordo, com perdas e ganhos para todos os envolvidos, em busca da harmonia social. O exemplo mais significativo de anistia no Brasil deu-se ao final da ditadura militar. Desgastada por um modelo econômico que já fracassava e pela prática de tortura a seus oponentes como política de Estado, os militares queriam a anistia, também pleiteada por membros da esquerda que em vão pegaram em armas e cujos companheiros se encontravam exilados, presos, enterrados em covas clandestinas ou eternamente ficariam no fundo mar. Adotou-se, então, o princípio da conexidade: ficavam anistiados os guerrilheiros que sobreviveram à repressão e, ao mesmo tempo, anistiavam-se os torturadores. Fazia-se, assim, a tentativa de pacificar a sociedade brasileira.

No excelente livro Democracy and Market, o seu autor, Adam Przeworski, disseca com embasamento sociológico os agentes de um processo de anistia, restando claro que ela não se dá em mão única. O que Jair Bolsonaro pretende com sua anistia de “passar a borracha” se somente ele perdeu? Não faltará quem diga que Bolsonaro lotou sete quadras da Avenida Paulista em seu mais recente ato político. Sete quadras? Bobagem: a Paulista tem dezoito.