Por meios bem tortos, Bolsonaro segue a cartilha do filósofo italiano Maquiavel à risca. “Aos amigos os favores, aos inimigos a lei”, escreveu o filósofo no livro ‘O Príncipe’. É bem temerário sugerir que o presidente – que ignora livros com muito texto – tenha lido o autor. Entretanto, com mais de três décadas de vida pública, o presidente acabou aprendendo os maus exemplos do fisiologismo. Ele utiliza toda a artimanha possível e emplaca as benesses para a sua base de apoio. A mais escandalosa está ligada à igreja e templos religiosos com o perdão de dívidas tributárias de R$ 1,4 bilhão. Mas não é só. Até a primeira-dama, Michele, foi escalada para ajudar na consolidação do projeto de poder. Ela trabalha pela aprovação de nada menos do que R$ 5 bilhões para beneficiar quem tem a visão monocular – cegueira em um olho. Os colegas militares também não ficaram fora dos privilégios. Eles serão os únicos servidores públicos com reajuste salarial, que custará mais de R$ 7,1 bilhões. O objetivo é a reeleição em 2022 e a consolidação de uma base de apoio. Na outra ponta do diálogo, milhões de pessoas aguardam o auxílio emergencial que foi reduzido para uma faixa entre R$ 150 e R$ 375 e os beneficiários são 45 milhões: em 2020, foram 68 milhões de pessoas.

“Bolsonaro está fazendo cortesia com o chapéu alheio e vai transferir a conta para a população que não foi beneficiada”
Joice Hasselmann, deputada (PSL-SP)

No jogo político, o presidente troca as necessidades da nação por vantagens para apoiadores. E assim, Bolsonaro vetou o perdão da dívida de R$ 1,4 bilhão para igrejas e depois apoiou a derrubada do próprio veto. Ele teve amplo apoio dos evangélicos em 2018 e tem uma ligação muito forte com as lideranças religiosas do setor. O populismo evidente contraria a agenda econômica, mas mantém a tendência de irresponsabilidade fiscal do governo. O advogado tributarista, Rubens Ferreira Jr, afirma que “seria interessante que os órgãos competentes apurassem eventual crime de responsabilidade, já que é de difícil compreensão perdão de dívidas superiores em R$ 1 bilhão”, se comprovada anuência do presidente na derrubada do veto.

POPULISMO Amália Barros e Michele Bolsonaro defendem a lei sobre a visão monocular: custo de R$ 5 bilhões por ano (Crédito:Divulgação)

Primeira-dama

Da mesma forma, a proposta de injetar R$ 5 bilhões, por ano, para pessoas com cegueira em um olho por meio do Benefício de Prestação Continuada (BPC) é outra medida populista e que dialoga com a torcida bolsonarista. Estudos indicam que 400 mil pessoas seriam beneficiadas com um salário mínimo ao mês. Michele Bolsonaro, a garota propaganda da medida, vai entrar em conflito com os ministérios da Economia e Cidadania. O impacto fiscal é tamanho que a recomendação técnica exige que o presidente vete a iniciativa. A deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) afirma que “Bolsonaro está fazendo cortesia com o chapéu alheio e vai transferir a conta para a população que não foi beneficiada”.

CORPORATIVISMO Militares vão receber aumento salário em 2021: R$ 7,1 bilhões para os reajustes (Crédito:GABRIELA BILO)

A história do governo Bolsonaro é escrita com amigos do rei sendo agraciados. Recentemente, os desmatadores ambientais conseguiram anistia de multas, as armas tiveram as tarifas de importação zeradas e a discussão dentro do Congresso é baseada em liberação de emendas e oferta de cargos políticos. O Congresso sempre participou de barganhas. Não é novidade. O Centrão, especialmente, se caracteriza pelo fisiologismo. A conquista de Bolsonaro nas casas legislativas comprova o alinhamento da política do toma lá dá cá como método de governo. Com a liberação de emendas parlamentares milionárias, farta distribuição de cargos e benefícios para grupos de apoio, Bolsonaro conseguiu ter nas mãos a condução da Câmara e do Senado. É claro que algumas pedras no caminho podem mudar a direção, mas hoje o Congresso está limitado à liderança do presidente. O cientista político Ricardo Ismael diz que a movimentação por interesses dentro do parlamento “sempre vai existir” e que isso segue a tradição corporativista da política brasileira. “Os parlamentares buscam a liberação de mais recursos para aumentar suas chances de reeleição”.