A cola na mão de Bolsonaro foi mais uma ação comunicativa que integra a coleção das tolices, das aberrações, do grotesco e não deve ser vista como mero descuido, esquecimento e incúria. Pelo contrário. As palavras grafadas/gravadas nas mãos do candidato à reeleição são resultado de cálculos milimétricos, de estratégias que tentam avaliar a melhor forma do eterno candidato se posicionar frente aos holofotes. Quem vem acompanhando os debates eleitorais com Bolsonaro sabe que a lógica de cartomante já criou tradição: em 2018, o ex-capitão em sua primeira entrevista ao Jornal Nacional (JN), escreveu na palma da mão “Deus, família e Brasil”. Já no debate da Rede TV! no mesmo ano anotou: “pesquisa, armas e Lula”. Agora, em 2022, o dístico escolhido foi: “Nicarágua, Argentina, Colômbia e Dario Messer”.

A menção aos três países quer fazer referência a um “perigo latino-americano de esquerda”, inventado pela trupe bolsonarista, que, segundo ela própria, prenuncia o caos. Em relação a Dario Messer, o candidato tentou dar eco a uma afirmação mentirosa do doleiro dos doleiros, como Messer ficou conhecido, segundo a qual ele teria passado recursos para a Rede Globo. Com as mãos tingidas de caneta azul, Bolsonaro anexou às mentiras ditas de forma oral mais algumas por meio dos gestos, pisoteando a verdade, o compromisso com o povo brasileiro e o debate honesto. Assim, amplificou o escopo das inverdades valendo-se de outros recursos de linguagem, que tem na forma de expressão o principal modo de conferir sentido ao que diz.

Pelo andar da carruagem, devemos nos preparar para o festival de horrores que sentou praça nas campanhas eleitorais desse ano

Mas, sejamos justos, Bolsonaro não está sozinho nesta empreitada. Os objetos da coleção de obscenidades políticas não param de desfilar efusivamente à nossa frente com a participação ativa de outros candidatos: Ciro Gomes falou recentemente que o Brasil tem comida, diferente do fundão da África. Em outra ocasião, o candidato do PDT assim respondeu a um empresário que qualificou a sua exposição de aula: “(…) um comício para gente preparada, você imagina se eu tivesse que explicar isso
na favela, seria um serviço pesado”. Corta para o Piauí. O candidato a governador do estado pelo União Brasil, Silvio Mendes, disse sem cerimônia a jornalista que o entrevistava: “você é quase negra na pele, mas é inteligente”. Pelo andar da carruagem, devemos nos preparar para o festival de horrores que sentou praça nas campanhas eleitorais, mas, sobretudo, nos engajar para que grosserias e aberrações como estas sejam vetadas nas urnas sob pena de prolongarmos o triunfo da barbárie.