Felicidade e gratidão são os sentimentos do técnico do Mirassol, Ricardo Catalá, nesta quinta-feira. Um dia depois da façanha de bater o São Paulo por 3 a 2 no Morumbi e ir à semifinal do Campeonato Paulista, o treinador avaliou ao Estadão que a inédita vaga é uma recompensa aos poucos jogadores que permaneceram no elenco depois de quatro meses de pandemia. Durante a paralisação o time perdeu 18 jogadores (16 saíram e dois se machucaram). Do elenco disponível para o jogo contra o São Paulo, somente cinco haviam participado do Estadual antes da pandemia.

Catalá conversou por telefone com a reportagem de Sorocaba, onde a equipe está concentrada, e comentou sobre o jogo histórico para o Mirassol no Morumbi e sobre como conseguiu resgatar o clube depois de uma enorme mudança sofrida durante a paralisação pelo novo coronavírus.

Após a façanha diante do São Paulo, já caiu a ficha?

De fato na hora que acaba o jogo e você consegue um feito desse, dentro das condições que nós tínhamos, isso gera uma mistura de emoções e sentimentos. A classificação é muito mais um presente para todos os jogadores que continuaram no time após a pandemia. Todos nós estamos felizes e contentes. Agora já começamos a projetar a semifinal.

Como o time comemorou?

Foi maravilhosa a nossa festa. Os jogadores estavam felizes demais. A gente sabe que o nível de investimento e de qualidade técnica era muito diferente, muito acima do lado de São Paulo. Mas nós sabíamos que teríamos nossas possibilidades e oportunidades, porque o jogo de futebol é assim. Com empenho, dedicação e entrega fomos capazes de realizar isso. É a melhor campanha da história do clube.

Quando o São Paulo empatou por 2 a 2, chegou a pensar que não conteria mais o time adversário?

Na hora do jogo, você fica tão envolvido em buscar soluções para o que está acontecendo que você nem tem tempo de temer. Nós, obviamente, fizemos dois gols, em um cenário otimista demais. Quando o São Paulo empata, eu olhei para o relógio e pensei: falta pouco para o intervalo, tomara que acabe logo para fazer os ajustes necessários e voltar no segundo tempo em condição de competir de novo. Fizemos as trocas necessárias para fortalecer nosso tipo e conseguimos competir de novo até o minuto final.

Aos 38 anos, considera que essa vitória é a maior da sua carreira de técnico?

Não sei se é a maior vitória, porque todas as vitórias trazem uma sensação de alegria. Talvez tenha sido a vitória mais emblemática, porque é uma vitória que faz com que nosso nome fique marcado na história do clube, um resultado que nos coloca na semifinal de um Paulista.

A pandemia foi bem difícil para o Mirassol e o time ficou muito modificado. Como foi esse período?

A saída de jogadores nos fez perder a qualidade e o entrosamento, mas as principais dificuldades foram a questão de saúde. Isso gera incerteza e insegurança em todos os envolvidos. Vale um prêmio para o clube, que nos fez se sentir seguros e nos fechou em um centro de treinamento. O tempo para preparar a equipe foi muito curto também. Não tive como fazer jogo amistoso. Eu não tinha referências seguras de que funcionária. Então, os jogos anteriores contra Água Santa e Ponte Preta foram as referências que eu tive para ajustar.

Como você remontou o time depois de perder 18 jogadores?

Eu vejo por outra perspectiva. Foi uma grande oportunidade de aprender, de evoluir e de me reinventar. Eu penso que o trabalho do treinador é procurar soluções e alternativas, e não ficar olhando para os lados e reclamando das condições. Eu procurei soluções. É óbvio que a parceria dos jogadores fez a diferença. O que você propõe só tem resultado se tiver essa boa relação com os atletas.

O Zé Roberto fez dois gols no jogo e só foi inscrito na véspera. Como fez para ele entrar tão bem no time?

Quando fomos iniciar o trabalho no confinamento em 29 de junho, ele já estava conosco, é atleta do Mirassol e estava voltando de um empréstimo para um time de fora do Brasil (Emirados Árabes Unidos). Nós teríamos de esperar a abertura da janela. Mas a direção tinha um otimismo que a federação árabe emitiria o documento de transferência a tempo de inscrevê-lo. Eu treinei todo o período do confinamento com o Zé Roberto no time titular. Mas 48 horas antes do reinício do Paulista a gente recebeu a informação de que não foi possível fazer a inscrição. Então, ele continuou treinando lá no nosso CT. Quando nos classificamos para as quartas de final, pedimos para que ele viajasse para jogar contra o São Paulo. A decisão de colocá-lo foi bem natural, porque já havia sido sinalizado para ele e para o grupo.

Durante a pandemia, quando o time perdeu tantos jogadores, você imaginava ser semifinalista do Estadual?

Não. O futebol nem te permite pensar muito o futuro, com meses de antecedência. No futebol você só pensa o que vai ter daqui três dias. Sempre tem um desafio que te impede de pensar muito lá adianta. O futebol é muito instável. O futebol vive de resultados.

Ficou surpreso que o seu time, tão jovem, superou um São Paulo tão experiente?

Isso passa muito pelo tipo de relação que você constrói com os jogadores. Eu sempre digo que o jogador precisa ser competente, não novo ou velho. Se ele for bom, seja qual for a idade, isso vai ficar evidente no campo. É óbvio que a ausência de experiência te traz algumas características e a existência delas te traz outras, mas o que faz a diferença é o tipo de atitude que você se entrega e a confiança no que está sendo proposto. Os jogadores confiaram no que nós propusemos e executaram com maestria.