Perspectivas 2023 – Saúde

Já tomaram a quarta dose da vacina?”A pergunta feita por Luiz Inácio Lula da Silva no Twitter, em dezembro, já eleito para seu terceiro mandato, é reveladora de uma mudança de paradigma na Saúde em relação ao governo de Jair Bolsonaro. O negacionismo de um presidente obscurantista que atacava a vacina contra a Covid-19 e propagava medicamentos ineficazes contra a doença deve ficar no passado: escolhida por Lula para o Ministério da Saúde, a socióloga Nísia Trindade, 64, promete uma gestão pautada pela ciência e em constante diálogo com a comunidade científica. Nísia dirigiu a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), referência em pesquisa e produção de vacinas. Foi sob seu comando que se deu o acordo da Fiocruz com a AstraZeneca para a produção, no Brasil, da vacina inglesa contra o coronavírus.

A escassez de recursos é sem dúvida o principal desafio do novo governo para a área da Saúde. A proposta de orçamento para 2023 enviada por Bolsonaro ao Congresso prevê um corte de 42% nas verbas discricionárias, destinadas à aquisição de insumos e equipamentos e ainda para investimentos. Mas a escolha de uma cientista para o comando da pasta tranquiliza especialistas. “Com a Nísia Trindade na função, eu espero a composição de uma equipe técnica muito rigorosa e muito competente, absolutamente técnica, que possa dar início à reconstrução do Ministério da Saúde”, diz a médica pneumologista Margareth Dalcolmo, pesquisadora da Fiocruz e membro titular da Academia Nacional de Medicina. “A área foi praticamente aniquilada”, resume.

Ministério da Saúde propõe uma gestão baseada na ciência para enterrar passado negacionista do governo Bolsonaro
EQUIPE TÉCNICA Cerimômia de posse: Nísia Trindade faz promessa de uma gestão embasada na colaboração de cientistas (Crédito:Eduardo Anizelli)

Um dos idealizadores do Sistema Único de Saúde (SUS), o médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto demonstra preocupação com o desmonte do SUS promovido por Bolsonaro. “O cenário é de destruição. É um buraco muito grande, não vai dar para tampar, mas minha expectativa é de que ele pelo menos diminua neste primeiro ano do novo governo”, diz. “Temos que ver o que dá para fazer com quase nenhum dinheiro”, conclui, ressaltando, assim como Dalcolmo, a importância da ciência, da tecnologia e da inovação na busca de soluções para os principais desafios do tema que lidera o ranking das preocupações dos brasileiros. Pesquisa Datafolha realizada em dezembro revela que, para 42% dos entrevistados, a saúde deve ser a prioridade de Lula, seguida da educação (19%), do combate ao desemprego (8%) e do combate à fome e à miséria (7%).

Ao tomar posse, Nísia criticou o obscurantismo e a negação da ciência que orientaram as políticas públicas do governo anterior e ressaltou a importância da vacinação da população. É consenso entre os especialistas a necessidade de reestruturar o Programa Nacional de Imunizações (PNI). “A cobertura vacinal da população está muito reduzida, abaixo de 60%”, explica Vecina Neto. “Temos que voltar às altas taxas de vacinação que já tivemos, de 95%”. Vacinas atuam na prevenção de mortes e adoecimentos que sobrecarregam e desafiam a saúde pública, e a baixa cobertura vacinal acendeu o alerta dos especialistas também para um possível retorno de doenças que já estavam erradicadas, como a poliomielite. “A reestruturação do PNI é fundamental”, concorda Dalcolmo.

A revalorização da atenção básica à saúde, por meio da expansão do programa Estratégia de Saúde da Família, também está entre as metas do governo Lula para 2023. Para isso, Nísia Trindade promete retomar o contato com estados e municípios para reestabelecimento do SUS – a gestão do sistema é de responsabilidade de entes das três esferas: federal, estadual e municipal. Outro ponto de atenção é o Farmácia Popular, programa de distribuição gratuita de medicamentos para doenças como hipertensão e diabetes, dois dos principais males da população brasileira.

Ao assumir a pasta, Nísia Trindade falou também sobre as preocupações de Lula para a área. “O presidente tem reiterado a preocupação com o represamento de exames, cirurgias eletivas e outros procedimentos”, pontuou. “Não se pode esperar grandes avanços já primeiro ano do novo governo, não existem recursos suficientes para tudo o que precisa ser feito”, diz Vecina. “A despeito dos cortes orçamentários, o presidente já declarou diversas vezes que a recomposição da saúde será prioridade”, lembra Dalcolmo. “Então imagino que vai haver um esforço nesse sentido.”