06/01/2023 - 9:30
Perspectivas 2023 – Saúde
Já tomaram a quarta dose da vacina?”A pergunta feita por Luiz Inácio Lula da Silva no Twitter, em dezembro, já eleito para seu terceiro mandato, é reveladora de uma mudança de paradigma na Saúde em relação ao governo de Jair Bolsonaro. O negacionismo de um presidente obscurantista que atacava a vacina contra a Covid-19 e propagava medicamentos ineficazes contra a doença deve ficar no passado: escolhida por Lula para o Ministério da Saúde, a socióloga Nísia Trindade, 64, promete uma gestão pautada pela ciência e em constante diálogo com a comunidade científica. Nísia dirigiu a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), referência em pesquisa e produção de vacinas. Foi sob seu comando que se deu o acordo da Fiocruz com a AstraZeneca para a produção, no Brasil, da vacina inglesa contra o coronavírus.
A escassez de recursos é sem dúvida o principal desafio do novo governo para a área da Saúde. A proposta de orçamento para 2023 enviada por Bolsonaro ao Congresso prevê um corte de 42% nas verbas discricionárias, destinadas à aquisição de insumos e equipamentos e ainda para investimentos. Mas a escolha de uma cientista para o comando da pasta tranquiliza especialistas. “Com a Nísia Trindade na função, eu espero a composição de uma equipe técnica muito rigorosa e muito competente, absolutamente técnica, que possa dar início à reconstrução do Ministério da Saúde”, diz a médica pneumologista Margareth Dalcolmo, pesquisadora da Fiocruz e membro titular da Academia Nacional de Medicina. “A área foi praticamente aniquilada”, resume.
Um dos idealizadores do Sistema Único de Saúde (SUS), o médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto demonstra preocupação com o desmonte do SUS promovido por Bolsonaro. “O cenário é de destruição. É um buraco muito grande, não vai dar para tampar, mas minha expectativa é de que ele pelo menos diminua neste primeiro ano do novo governo”, diz. “Temos que ver o que dá para fazer com quase nenhum dinheiro”, conclui, ressaltando, assim como Dalcolmo, a importância da ciência, da tecnologia e da inovação na busca de soluções para os principais desafios do tema que lidera o ranking das preocupações dos brasileiros. Pesquisa Datafolha realizada em dezembro revela que, para 42% dos entrevistados, a saúde deve ser a prioridade de Lula, seguida da educação (19%), do combate ao desemprego (8%) e do combate à fome e à miséria (7%).
Ao tomar posse, Nísia criticou o obscurantismo e a negação da ciência que orientaram as políticas públicas do governo anterior e ressaltou a importância da vacinação da população. É consenso entre os especialistas a necessidade de reestruturar o Programa Nacional de Imunizações (PNI). “A cobertura vacinal da população está muito reduzida, abaixo de 60%”, explica Vecina Neto. “Temos que voltar às altas taxas de vacinação que já tivemos, de 95%”. Vacinas atuam na prevenção de mortes e adoecimentos que sobrecarregam e desafiam a saúde pública, e a baixa cobertura vacinal acendeu o alerta dos especialistas também para um possível retorno de doenças que já estavam erradicadas, como a poliomielite. “A reestruturação do PNI é fundamental”, concorda Dalcolmo.
A revalorização da atenção básica à saúde, por meio da expansão do programa Estratégia de Saúde da Família, também está entre as metas do governo Lula para 2023. Para isso, Nísia Trindade promete retomar o contato com estados e municípios para reestabelecimento do SUS – a gestão do sistema é de responsabilidade de entes das três esferas: federal, estadual e municipal. Outro ponto de atenção é o Farmácia Popular, programa de distribuição gratuita de medicamentos para doenças como hipertensão e diabetes, dois dos principais males da população brasileira.
Ao assumir a pasta, Nísia Trindade falou também sobre as preocupações de Lula para a área. “O presidente tem reiterado a preocupação com o represamento de exames, cirurgias eletivas e outros procedimentos”, pontuou. “Não se pode esperar grandes avanços já primeiro ano do novo governo, não existem recursos suficientes para tudo o que precisa ser feito”, diz Vecina. “A despeito dos cortes orçamentários, o presidente já declarou diversas vezes que a recomposição da saúde será prioridade”, lembra Dalcolmo. “Então imagino que vai haver um esforço nesse sentido.”