A evolução da ciência e da tecnologia nas últimas décadas não deixou de lado os esportes. A prática de diversas modalidades vem sendo alterada em razão de novos estudos e pesquisas. E ajuda a explicar como atletas mais velhos desempenham agora uma performance que não seria possível em gerações anteriores.

Diante deste desenvolvimento, os “trintões” dominam diversas modalidades. No tênis, a hegemonia é ainda mais impressionante, com cinco deles entre os dez melhores da atualidade. Não por acaso o suíço Roger Federer, de 36 anos, e o espanhol Rafael Nadal, de 31, são os grandes favoritos ao título do US Open, que terá início nesta segunda-feira, em Nova York.

Para tentar entender esta mudança de realidade no tênis, a reportagem do Estado conversou com o norte-americano Mark Kovacs, um dos maiores fisiologistas de tênis do mundo. O PhD se tornou referência por aliar bem a pesquisa científica com a prática dentro de quadra. É autor de diversos livros e estudos na academia e fundador da International Tennis Performance Association (ITPA), que promove congressos anuais para discutir o esporte.

Ao mesmo tempo, atuou com tenistas como John Isner, ex-Top 10, e vem fazendo trabalho com o também americano Frances Tiafoe, uma das promessas do circuito – Tiafoe, por sinal, será o adversário de estreia de Federer no US Open.

Kovacs prevê mudanças ainda maiores na preparação física e na prática do tênis, devido aos novos estudos. E diz que a parada que Federer e Nadal fizeram no circuito no ano passado, para voltarem melhores neste ano, deve se tornar regra entre os tenistas mais velhos, como acontece agora com o sérvio Novak Djokovic e o suíço Stan Wawrinka – machucados, eles só voltarão às competições em 2018.

Confira abaixo os principais trechos da entrevista concedida por telefone, de Atlanta, onde mora o especialista:

Há muita diferença entre a preparação física da geração de Federer/Nadal em comparação aos anos de Agassi/Sampras?

Sim, definitivamente. O foco na preparação física cresceu muito nesta geração mais recente. Contam com mais pessoas em suas equipes nas viagens, nos torneios. Os melhores tenistas tem um preparador físico, um fisioterapeuta e até um massoterapeuta. Às vezes, têm dois de cada no estafe. Quanto mais dinheiro há no esporte, mais acesso os tenistas têm a mais profissionais. Sabemos hoje como preparar de forma muito melhor os jogadores. Não fazemos mais os mesmos tipos de treinos que fazíamos há 20 anos. Estamos mais inteligentes e entendemos melhor como o corpo responde diante da fadiga, sabemos como treinar melhor o atleta sem desgastá-lo, sem aumentar o volume de trabalho.

Qual seria a maior diferença entre estas duas gerações na preparação física?

Há maior ênfase na força agora, em comparação a antes. Antes as bolas, as raquetes e as quadras eram diferentes, o jogo era mais lento. O jogo ficou mais físico, há muito mais ênfase na força e no treino de explosão.

Você conhece a preparação física dos tenistas do chamado Big 4?

Sim, mas não posso compartilhar porque é assunto privado. Em geral, o treino entre eles é diferente. Todos fazem trabalhos específicos para cada necessidade, com diferentes volumes de trabalho. O treino do Federer, por exemplo, é bem diferente do trabalho do Nadal. É baseado no estilo de jogo de cada um e em como cada um se desenvolveu no tênis.

Por que eles têm uma vida mais longa no tênis profissional em comparação à geração anterior?

A verdade é que eles fazem um trabalho melhor na recuperação física. Eles entendem melhor como o corpo responde, usam diferentes técnicas de trabalho de recuperação e trabalham duro nisso. Isso tudo permite a eles ter uma carreira mais longa. Quando treinam, não treinam como antes. Quando eram mais novos, treinavam mais. Agora treinam menos. Mas fazem as coisas de um jeito melhor. Isso não desgasta demais o corpo.

A ciência esportiva vai mudar o tênis no futuro?

Com certeza, todos os anos minhas recomendações para os tenistas e para os treinadores com quem trabalho mudam. O que eu recomendava há cinco anos eu não recomendo mais porque as pesquisas mostraram que aquilo que pensávamos ser o melhor para o atleta não era necessariamente o mais indicado.

Federer e Nadal fizeram uma parada no circuito em 2016 para se recuperarem de lesões e voltaram com títulos. Outros tentam a mesma estratégia agora. Estas paradas vão virar uma tendência no tênis?

Sim, com certeza. A temporada do tênis é tão longa que é quase impossível jogar o ano todo em alto nível. E ter um tempo fora, por causa de lesão, pode ser uma opção. Vamos ver isso acontecer cada vez mais entre os tenistas de nível top. Já os mais jovens vão continuar jogando mais torneios porque vale mais a pena financeiramente. Mas, uma vez que conquistem boas premiações, vão começar a selecionar melhor os torneios que vão disputar.