NO BURACO A infraestrutura da cidade precisa de reformas, mas a arrecadação é insuficiente (Crédito:VIGILI DEL FUOCO)

Quando uma cidade entra em período eleitoral, principalmente quando nos referimos à capital do país, o seu funcionamento se modifica. Os moradores passam a ser mais exigentes em suas reinvenções, empresários e comerciantes locais unem forças para fazer cobranças, geralmente relativas a impostos e à diminuição burocracia, os partidos políticos se desdobram em acordos e na arregimentação de pessoas com a intenção de apresentar figuras fortes, carismáticas, para vencer o pleito. As legendas também fazem contratação de especialistas de diversas áreas e investem em propaganda para cativar mentes e corações. A disputa costuma ser calorosa. Entretanto, há um caso raro na história política mundial que vem de Roma, a sede italiana. A cidade tem tantos problemas estruturais que as mais relevantes siglas políticas estão se negando a participar da eleição ou indicando seus piores quadros.

DESASTRE Mesmo virando piada nas redes sociais, a prefeita Virginia Raggi deverá ser reeleita (Crédito:Gregorio Borgia)

A deficiente organização de Roma, que tira o vigor da disputa eleitoral, vem de longa data. Sua infraestrutura subterrânea carece de modernização, calçadas e ruas constantemente ficam esburacadas a ponto de carros serem engolidos por crateras e a reforma é feita com material de qualidade duvidosa. Além disso, a gestão das empresas públicas não atende as necessidades de moradores e trabalhadores – há apenas 8.000 funcionários para recolher e dar destinação ao lixo. A cidade tem mais de 440 quilômetros quadrados de áreas verdes descuidadas e a pandemia expôs falhas no serviço funerário. A empresa regional chegou atrasar em 35 dias a atividade de cremação.

“Há um complô para ganharmos as eleições. Com isso, acabarão conseguindo prejudicar nossa imagem”
Paola Taverna, senadora pelo partido conservador M5S

A história política recente também desabona Roma. Figuras que passaram pela cadeira de prefeito não conseguem ter o mínimo de aprovação popular. O ex-prefeito Walter Veltroni (2001-2008) é um dos únicos a ser lembrado como um gestor que manteve a suntuosidade da cidade e que foi capaz de fazer o que era possível ser feito. Os políticos que vieram depois, como, por exemplo, o neofascista Gianni Alemanno e o social-democrata Ignazio Marino, tiveram problemas com a Justiça por gestão fraudulenta. Roma entrou na segunda década do século XXI como a cidade capaz de destruir a reputação política de qualquer pessoa. Em comparação com outras capitais da União Europeia, a cidade foi caracterizada como uma das piores em qualidade de vida. Ficou atrás apenas de Atenas, afirmou a Comissão Europeia no ano passado.

Desde 2016, a prefeita de Roma é a arquiteta Virginia Raggi do partido de direita, Movimento 5 Estrelas (M5S). Ela deve ser reeleita se não houver mudanças na situação atual. Na última pesquisa, ela figura com 27% das intenções de voto e seu principal competidor é o ex-ministro da Indústria Carlo Calenda, lançado pelo partido nanico Azione. O M5S surgiu para ser uma forma de negação da política tradicional e alcançou relevância nacional. A legenda tem 92 cadeiras no Senado e 216 na Câmara. Apesar da popularidade, a gestão de Raggi é alvo de criticas de todas as matizes políticas e de moradores. “Ela não conseguiu melhorar a cidade, vai deixar um abacaxi”, diz a crítica de arte, Lívia Bucci, moradora de Roma.

Ganância absoluta

Além de um sistema desorganizado, há outro motivo para que a cadeira de prefeito da capital italiana não seja cobiçada pelos partidos. As lideranças europeias, sob o comando da Alemanha, vão disponibilizar 200 bilhões de euros do fundo de reconstrução, para tentar reverter os efeitos da pandemia, uma espécie de Plano Marshall do século XXI. “Os partidos estão de olho nesses recursos”, afirma Leonardo Trevisan, professor de Geoeconomia Internacional da ESPM. Segundo ele, como o governo está fragilizado, há o interesse em fatiar os recursos além do plano inicial de destinação para cinco áreas essenciais: digitalização, inovação, competitividade e cultura (49,2 bilhões de euros); educação e pesquisa (31,88 bilhões de euros); infraestrutura e mobilidade sustentável (31,46 bilhões de euros); inclusão e coesão (22,37 bilhões de euros) e saúde (18,51 bilhões de euros). “O governo está dividido em muitos partidos e cada liderança quer destinar o dinheiro para atender interesses pessoais”, diz Trevisan. Assim, o político que não consegue reger bem a cidade ficaria mal visto por seus pares para administrar tal volume de recursos. Por isso, a frase da senadora conservadora Paola Taverna, também do M5S, ainda vigora como verdade absoluta: “Há um complô para ganharmos as eleições. Assim prejudicarão a nossa imagem”, disse.