Em meio a um mar de infectados pelo coronavírus e sob uma chuva de pressões e críticas, o líder chinês Xi Jinping cedeu às ferozes manifestações que tomaram ruas de várias cidades e, em dezembro, acabou abruptamente com todos os confinamentos e restrições sanitárias de controle da pandemia. A política de “Covid Zero” foi rebatizada de “Covid Zero Dinâmico”. E, para piorar o atropelo de decisões, no último dia 8 ainda reabriu totalmente as fronteiras da China. Bem a tempo do mundo reviver o pior de seus pesadelos, que começou em janeiro de 2020. O gatilho da pandemia foi acionado justamente naquele mês, há três anos, com as festas do Ano Novo Chinês levando famílias inteiras a se deslocar pelo país ou para o exterior, em visita a parentes. A Covid se espalhou por todo o território chinês, explodindo em focos pelo planeta. Agora em 2023, esse feriado cai no dia 22, com comemorações estendidas até o dia 27 — e, ao lado das festas, a preocupação pelo risco de ondas revigoradas da pandemia pelo mundo alcança graus altíssimos.A China sob a sombra do caos

Derrubadas as restrições de mobilidade dos chineses, em menos de 24 horas e tomando-se apenas os ferry-boats que circulam pela baía de Hong Kong, nada menos que 45 mil passageiros embarcaram rumo ao continente, enquanto filas quilométricas se formavam no aeroporto internacional da ilha. O governo optou também pela abertura irrestrita de fronteiras a visitantes estrangeiros, agora sem a obrigatoriedade da quarentena. Assim, no próprio dia 8 o Ministério dos Transportes já estimava em dois bilhões o número de viagens para dentro e para fora da China, nos próximos 40 dias. O aumento é de 100% em relação a 2020, quando a pandemia foi detonada.

Vários países já providenciavam a volta de medidas sanitárias mais rigorosas em aeroportos ainda no fim de 2022. A atenção é total no desembarque de voos provenientes da China, com exigência do comprovante de vacinação ou obrigatoriedade de testes nos EUA, França, Reino Unido, Espanha, Itália, Índia, Tailândia, Coreia do Sul e Japão (em 28 de dezembro, o aeroporto de Milão divulgou que metade dos passageiros desembarcados de um avião do país asiático estava contaminada).

Logo que instalada a pandemia, em 2020, a ordem de lockdown em megalópoles chinesas provocou desespero de populações inteiras e criou problemas para cadeias de produção do próprio país e do mundo. Ao longo de três anos, sem vacinas que abrangessem as variantes que surgiam e sem a compra das fabricadas com tecnologia ocidental, confinamentos foram e voltaram. Mas os meses em casa, sem trabalhar – e sem mais dinheiro, porque as poupanças acabaram –, empurraram multidões às ruas. Sem conseguir conter o movimento inédito, mesmo com violência, a opção de Xi Jinping foi pelo corte abrupto dos lockdowns. A China estava e segue em descompasso com o mundo, vacinado e “saindo da pandemia”. Quando todos estavam no mesmo barco econômico, havia tolerância. Agora, há mais pressão internacional sobre Xi Jinping, que já precisa lidar com a insatisfação interna.

Liberou geral

Com o fim de lockdowns, de testagens obrigatórias em massa, de rastreamento de Covid por aplicativos e de bloqueios em estradas que impediam viagens, anunciado em dezembro, o resultado foram os hospitais superlotados, a falta de equipamentos/remédios e, por consequência, as filas nos crematórios. Apenas em Pequim, um terço dos 22 milhões de habitantes está sob suspeita de contágio pelo coronavírus e o caos se torna proporcional à contaminação acelerada: além da precariedade de atendimento aos infectados, o desespero se alastra, por exemplo, pela falta de alimentos em supermercados, por causa de caminhões que deixam de circular.

A China sob a sombra do caos
PORTA ABERTA Com fronteiras liberadas, chineses viajam para dentro e fora do país, depois de três anos trancados (Crédito: Thomas Peter)

Xi Jinping, recentemente reeleito no comando do país, até culturalmente não pode transparecer fraqueza diante de problemas e permanece em uma encruzilhada. E se esse aspecto cultural milenar está enraizado na política e na economia chinesas, como destaca Rodrigo Gallo, coordenador de Pós-Graduação em Política e Relações Internacionais da FESPSP, também pode explicar atitudes equivocadas. “A China está acostumada a planejamentos de médio e longo prazo, o que é até fácil para eles porque não há alternância de poder. Os chineses não convivem com atropelos”, diz. “Com a pandemia, foram obrigados a tomar decisões imediatas, o que pode ter gerado ‘bugs’ na máquina burocrática do país.”