Foi por amor que a artista plástica Tamires Hopfgartner, 30 anos, se mudou para a Suíça. Brasileira, ela acompanhava o namorado português e estava decidida a tentar a sorte na Europa. No começo, tudo parecia difícil: ela enfrentou dificuldades linguísticas em Berna; temia o rigor do inverno e não tinha qualquer contato social. Pensava que não iria se adaptar. Felizmente, não foi o que aconteceu. Dois meses depois de chegar, Tamires conseguiu emprego em uma agência de publicidade como designer gráfica. Em pouco tempo, assumiu o cargo de diretora de arte. Decidiu estudar tatuagem. No início deste ano ela inaugurou seu próprio estúdio e hoje só se dedica à criação artística. Trabalha por conta própria e faz exposições em vários países. “Ainda que eu tenha muita saudade, não há nenhuma chance de voltar para o Brasil”, afirma. “Aprendi a gostar muito da Suíça, onde posso confiar nas pessoas e andar pelas ruas sem medo e acho que não conseguiria viver mais sem essa tranquilidade e segurança.” Viver no exterior, como Tamires, é uma decisão tomada por cada vez mais brasileiros. Há um aumento considerável do êxodo para outros países e cada vez mais gente capacitada, rica e até aposentada está deixando o Brasil sem planos de voltar. Os destinos são os mais variados. Nos últimos dois anos, além dos Estados Unidos, têm se destacado Portugal, Japão, Canadá e Austrália.

O número de brasileiros que deixou o País sem intenção de retorno mais do que dobrou entre 2013 e 2018, saltando de 9,8 mil para 21,7 mil pessoas. E uma das razões principais para a aceleração do fluxo migratório é a recessão prolongada que afeta o País. Não se trata apenas de ir para outros lugares em busca de trabalho, mas também de uma perda de fé, de falta de confiança no futuro e de uma preocupação crescente com a segurança e a educação dos filhos. “Esse fenômeno é natural e vai aumentar muito nos próximos anos”, afirma Paulo Roberto Feldmann, professor de economia da FEA-USP. “A situação econômica do Brasil está bem pior que a média mundial e temos a quarta taxa de desemprego mais alta do mundo.”

Na lista de novos emigrantes entra a comerciante Ana Maria Masson, que se mudou de São Paulo, há três anos, com o marido Fernando Auriemo e os cinco filhos para a cidade de Cascais, município do litoral português, a 30 quilômetros de Lisboa. A família decidiu deixar o Brasil depois que sua casa foi assaltada e levaram tudo. Também incomodava a situação política e econômica do País. “Chegamos atrás de uma melhor qualidade de vida e encontramos o que buscávamos”, diz Ana Maria. “As pessoas em Portugal são muito educadas e gentis e levamos uma vida pacata.” O marido, que trabalhava no mercado imobiliário no Brasil, faz a mesma coisa em Portugal e tem obtido bons resultados. Os brasileiros são hoje a nacionalidade de estrangeiros que mais compra imóveis na região de Lisboa. Segundo a Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (Apemig), um quarto das vendas para clientes internacionais é feita para compradores do Brasil. O crescimento de investimentos declarados de brasileiros em imóveis no exterior é notável nesta década. O estoque de imóveis em outros países, segundo o Banco Central, cresceu de US$ 2,7 bilhões, em 2010, para US$ 6,1 bilhões em 2016. Os Estados Unidos são o principal destino desses recursos, absorvendo cerca de US$ 2,3 bilhões. Portugal aparece em segundo lugar, com investimentos totais de US$ 725 milhões. Por conta da facilidade da língua e da aceitação dos resultados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) por 29 universidades e institutos locais, Portugal tem sido também um destino cada vez mais atraente para estudantes brasileiros. Uma das universidades portuguesas que mais recebem brasileiros expatriados, atualmente, é a do Algarve, em Faro. De um total de 7,5 mil alunos, cerca de 500 são brasileiros. “No ano que vem teremos certamente 650 brasileiros estudando aqui”, diz o reitor a Universidade do Algarve, Paulo Águas.

Portas abertas

O Canadá tem atraído muitos brasileiros jovens e preparados. A política de imigração do país é aberta aos estrangeiros e, por meio de programas de incentivo, busca atrair pessoas que supram sua necessidade de mão de obra. Em 2017, o Canadá emitiu 2,76 mil vistos de admissão de residentes permanentes para cidadãos brasileiros, um crescimento de 60% em relação ao ano anterior. Dijane e Francisco Costa fazem parte dessa estatística. Em 2016 eles deixaram tudo para se mudar para Vancouver com a filha, Marina, de 11 anos, e o cachorro. “A gente às vezes sonha que está no Brasil e quando acorda se sente aliviado por estar aqui”, diz Dijane. Bióloga com pós-graduação em microbiologia, no Brasil ela era concursada do Laboratório Central de Saúde Pública do Mato Grosso do Sul, onde realizava pesquisas do vírus HIV. Já o marido possuía um cargo como publicitário na maior empresa de comunicação do estado. Mesmo com empregos estáveis, a busca por qualidade de vida falou mais alto. Hoje, Raphael atua como designer em uma gráfica, enquanto Dijane cursa Gestão de Hospitalidade e trabalha como camareira em uma rede de hotéis de luxo. “Aqui somos valorizados e respeitados, há uma grande noção de igualdade. Só me arrependo de não ter me mudado antes”, diz ela. O número de vistos emitidos para o Canadá deve ser maior em 2018 – até abril já foram 1565.

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Outro brasileiro que sai do País aliviado é Diego Aranha, de 35 anos, doutor em criptografia e segurança de computadores. Ele acaba de deixar o cargo de professor da Unicamp, em busca de novas oportunidades no exterior. Durante seis anos, Diego pesquisou as urnas eletrônicas brasileiras e chegou à conclusão de que o sistema é falho, tanto em relação à adulteração do software quanto à quebra do sigilo do voto. Decepcionado com os desdobramentos do trabalho e com os reflexos da crise em sua área de atuação, ele resolveu mudar de país. “Foi um trabalho que exigiu muito esforço e eu não vi uma resposta das instituições às críticas. O que se instalou foi uma histeria”, diz ele. Na sexta-feira, 29, ele embarcou para a Dinamarca, onde dará aula de engenharia e será pesquisador na Universidade de Aarhus, uma das 100 melhores do mundo. Sua esposa, Fernanda, de 36 anos, termina o pós-doutorado em inteligência artificial na Unicamp no final do ano, quando irá encontrá-lo para a nova vida, levando o filho, Anderson, de 10 anos, e os cachorros Bruno e Bibi. “Nós não nos sentimos mais parte do Brasil, nos sentimos uns estranhos”, diz ele.

A Austrália também tem sido receptiva aos sonhos de uma vida melhor dos brasileiros. O país tem, hoje, cerca de 20 mil estudantes do Brasil matriculados em suas escolas e universidades. Muitos vão para lá como planos de permanência. A analista de marketing Nayara Tanin, de 31 anos, que chegou no país em 2015 e já estudou inglês, trabalhou como garçonete e como babá de uma criança autista, começou, no mês passado, num novo emprego como assistente de marketing em uma agência de viagens. Ela e o namorado, o chef de cozinha Hugo Kamada, conseguiram finalmente se instalar em uma casa agradável na cidade de Gold Coast, na região de Queensland. “Moro do lado do trabalho, em frente à praia e estou muito feliz”, diz Nayara. “A gente só se sente um pouco culpada de estar num país tão bom e minha família não estar comigo.”

A busca por segurança e melhores oportunidades de trabalho levou Larissa Guima e o marido, Hamilton, a quererem emigrar. Eles moram em Campinas com a filha Harumi, de 10 anos, e embarcam definitivamente para o Japão no próximo dia 9. Formado em Engenharia Civil e com MBA em gestão de pessoas, venda e marketing, Hamilton atuava como autônomo dando cursos e palestras, mas há dois anos a demanda por seu trabalho começou a diminuir. Já Larissa trabalhou durante oito anos em um cartório e no ano passado foi demitida em um corte de funcionários. Diante do aperto financeiro, Hamilton entrou em contato com a consultoria TGK RH, que presta assistência para quem deseja ir ao Japão. Descendente de japonês, ele conseguiu tirar o visto de trabalho para ele e a esposa e ambos já conseguiram emprego na linha de produção de uma empresa do setor de alumínio que fica na província de Aichi Ken. As passagens aéreas e a documentação, incluindo a consultoria, custaram R$ 15 mil.

“O fator financeiro é o ponto principal, além da questão cultural e da educação que queremos dar para nossa filha. No Brasil ela estuda em escola particular, o custo é alto e não sabemos se no futuro ela conseguirá uma boa oportunidade de trabalho”, diz Larissa. O número de vistos emitidos para descendentes de japoneses e seus cônjuges pelo Consulado do Japão em São Paulo aumentou de 4,6 mil, em 2014, para 11,5 mil, em 2016. Nos últimos dois anos, a população brasileira no Japão, que apresentava queda no início da década, cresceu de 180 mil para 191 mil pessoas. E a tendência é que continue a aumentar nos próximos tempos.


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