O ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom), Paulo Pimenta, vê as digitais de Jair Bolsonaro na barbárie promovida por extremistas em 8 de janeiro, em Brasília. O quebra-quebra nas sedes dos Três Poderes, segundo lembra o petista, foi o epílogo de uma investida antidemocrática iniciada em abril de 2020, quando, do alto de uma caminhonete, o ex-presidente discursou em um ato em frente ao Quartel-General do Exército em que radicais pregaram a intervenção militar. Pimenta crê que, por ter atiçado a sanha golpista entre as massas durante mais de dois anos, Bolsonaro dificilmente escapará da Justiça. “Acho que a chance de ele sair ileso dessa história é muito pequena”, pontuou. “Não consigo imaginar que o bolsonarismo radical e violento possa ser dissociado do ex-presidente e do papel que ele teve na construção dessa narrativa que estimulou as pessoas a atentarem não contra um governo, mas contra a democracia e a Constituição”, afirmou. O ministro vocaliza o entendimento de que o Capitólio brasileiro foi uma tentativa de golpe de Estado e reitera que uma parcela de policiais militares e integrantes das Forças Armadas teve papel central no plano. “É preciso que a relação de confiança do presidente e de toda a sociedade com o papel das Forças Armadas seja recuperada”, disse à ISTOÉ.

A PGR denunciou dezenas de executores do Capitólio brasileiro. Crê que a investigação comprometerá Bolsonaro?
O inquérito dos atos antidemocráticos começou lá atrás, quando houve um ato em frente ao QG do Exército, no qual, pela primeira vez, parlamentares, integrantes do governo, empresários e o próprio Bolsonaro financiaram de forma pública um movimento que pedia a intervenção militar, a destituição de ministros do Supremo e o fechamento do Congresso. Em várias oportunidades, esse processo identificou o envolvimento deles em movimentos golpistas, seja no financiamento, na organização, no incentivo ou na participação direta nos atos criminosos. Acho que essa investigação está chegando em um momento decisivo. O 8 de janeiro foi o ápice de um processo que já vinha revelando um traço perigoso para a democracia e que explodiu de forma trágica. A partir do momento que essa investigação for concluída, vai apontar responsabilidades.

Bolsonaro pode ser considerado “mentor” dos atos terroristas por ter atiçado a população contra as instituições?
Não consigo imaginar que o bolsonarismo radical e violento possa ser dissociado do ex-presidente e do papel que ele teve na construção dessa narrativa que estimulou as pessoas a atentarem não contra um governo, mas contra a democracia, as instituições e a Constituição. Acho que a probabilidade de ele sair ileso dessa história é muito pequena.

Em 2021, o ex-presidente chegou a dizer que o Brasil teria “problema pior” que a invasão do Congresso americano, caso o voto impresso não fosse implementado.
Acho muito curioso que Bolsonaro tenha se afastado do Brasil poucos dias antes do que aconteceu. Que Anderson Torres tenha se afastado. Que outros personagens centrais dessa história também não estivessem no País durante os últimos dias. Acho curioso e, aliás, um gesto de covardia. O que a gente observa é que boa parte das pessoas que financiaram ônibus e que pagaram para que cidadãos viessem para Brasília não estavam nos atos. Se nos atentarmos às pessoas presas nos acampamentos, veremos que os organizadores, os mandantes, as pessoas que, até sábado, lideravam os agrupamentos já haviam saído. As pessoas detidas são aquelas estimuladas a vir com ônibus de graça, comida de graça. Há um gesto de covardia porque os mandantes estavam em casa assistindo a invasão dos Três Poderes pela TV comendo pipoca. Viram o caos que patrocinaram sem colocar a cara a tapa.

Logo depois do 8 de janeiro, a PF encontrou na casa de Anderson Torres uma minuta de um decreto para instaurar estado de defesa no País e reverter a vitória de Lula. Foi abortado um golpe de Estado?
Vivemos uma situação de golpe de Estado. Ocorreu uma tentativa de quebra da normalidade democrática em 8 de janeiro. Ela não aconteceu porque houve uma reação contundente das instituições — STF, Executivo e Legislativo —, além da sociedade de forma geral. Poucos setores da sociedade apoiaram o que estava ocorrendo. Isso impediu que se criasse um ambiente que justificasse uma GLO (Operação de Garantia da Lei e da Ordem) ou outro mecanismo, que era algo que os criminosos buscavam. Ouvi do Ricardo Capelli (interventor), em relação à conversa que teve com alguns dos 44 policiais feridos, que eles enfrentaram profissionais com estratégia de guerra. Eles conheciam o terreno, usavam artefatos e tentaram, em alguns momentos, provocar a morte de algumas pessoas. Policiais que não foram mortos por acaso.

Lula refutou a opção de GLO. Isso ocorreu pelo receio sobre o empoderamento dos militares em um momento sensível?
O mais importante foi os Três Poderes demonstrarem que tinham condições de responder e encontrar soluções para restabelecer a normalidade institucional. Isso foi feito no domingo à noite, com a intervenção, e na segunda de manhã, quando Lula, do Planalto, recebeu os chefes dos Três Poderes e, depois, se encontrou com os chefes das Forças Armadas. Quando passou a receber ligações de líderes políticos mundiais. Quando conversou com Biden. E quando, ao final do dia, reuniu-se com 27 governadores e caminhou até o STF. O País respondeu isolando os golpistas e criminosos. Foi a demonstração de que a democracia do Brasil não precisa ser tutelada.

A união durou pouco. Romeu Zema sugeriu que o governo federal fez vista grossa sobre os atos criminosos.
Sinceramente, acho que foi uma fala infeliz e inconsequente. Ele fez uma insinuação sem provas sobre um fato grave. Mas, talvez, o próprio governador tenha percebido, porque, depois, não se manifestou no sentido de reafirmar. Prefiro entender que foi um mau momento de Zema. Prefiro crer que ele não é uma pessoa com um caráter que permitisse uma insinuação desarrazoada como essa.

Os envolvidos no quebra-quebra não podem ser chamados de terroristas, porque a lei poupa criminosos engajados em movimentos políticos. O governo estuda patrocinar um endurecimento da legislação para coibir atos similares?
O termo “terrorismo” é usado, inclusive, do ponto de vista internacional. Seria um preciosismo semântico inócuo não chamá-los de terroristas. Do ponto de vista legal, existe um conjunto de evidências que comprovam uma organização planejada contra a democracia e há uma legislação muito clara nesse tipo, embora não seja a lei antiterrorismo. Acredito que, com a lei que cuida especificamente de delitos que atentam contra o Estado Democrático de Direito, os delegados não terão dificuldades no indiciamento e o MPF fará denúncia que permitirá a condenação dessas pessoas.

Mudanças na lei antiterrorismo, então, não estão no horizonte?
Nesse momento não existe debate no governo sobre isso. As ferramentas legais e jurídicas que o país tem hoje são absolutamente suficientes para que haja responsabilização criminal de quem organizou, financiou e participou dos atos antidemocráticos.

Lula adotou um tom duro ao reconhecer uma quebra de confiança com os militares, e a fala não foi bem recebida entre os generais. Qual o caminho para estabelecer uma relação mais amistosa?
Os militares gostam muito do conceito de hierarquia e respeitam a Constituição. Lula é o chefe das Forças Armadas. Acho que esse princípio é elementar. Infelizmente, há um conjunto de indícios e fatos que permitem a identificação de agentes de forças de segurança e das Forças Armadas que, de alguma maneira, facilitaram ou foram cúmplices do que aconteceu. Qualquer pessoa minimamente informada sabe que era impossível que isso tivesse acontecido sem algum nível de comprometimento por parte dessas instituições. O que as apurações vão dizer é o nível da corrosão institucional. Espero que seja a menor possível, para que a relação de confiança do presidente e de toda a sociedade com relação ao papel das Forças Armadas seja recuperada.

A discussão sobre a regulação da mídia será mesmo uma prioridade?
Isso é um debate que o mundo está fazendo. A comunidade europeia publicou recentemente uma série de resoluções e orientações após três anos de debate, ancorado num fórum tripartite, com a comunidade, estados-membros e especialistas. Há uma discussão na Austrália, no Canadá. É um tema central da mídia e da democracia nos Estados Unidos. Evidente que o Brasil, por sua importância e protagonismo, e por ser um dos países onde mais se produz desinformação, precisa tratar essa matéria. Não temos uma fórmula pronta. Mas há um entendimento crescente na sociedade de que é preciso que exista algum tipo de regulação. A não existência de uma regulação fez com que, durante a campanha eleitoral, o STF e o TSE ocupassem esse vácuo legislativo, através de normas e resoluções. O que o governo quer é ser parte de um debate mais amplo na sociedade para que a gente possa produzir uma síntese, baseada em dois princípios que são cláusulas pétreas da Constituição: a liberdade de expressão e a garantia do exercício profissional da imprensa. A partir desses dois princípios, há uma série de coisas que precisam ser respondidas.

Será discutida a criminalização das fake news?
Os assuntos acabam se misturando. Vou te dar três exemplos. A veiculação de notícias sobre a questão de práticas não comprovadas cientificamente na pandemia, que podem ter impedido que vidas fossem salvas. Se uma rádio veiculasse isso, poderia ser chamada a responder, porque existe legislação que trata da matéria. Mas, se uma rádio digital, na mesma cidade, com o mesmo alcance, tivesse veiculado a mesma informação, estaria submetida à mesma responsabilização que uma rádio de concessão teria? Não. É possível que, numa sociedade cada vez mais digital, exista tamanho nível de distinção entre uma e outra forma de comunicar? Vamos adiante. No dia dos atos criminosos contra as sedes dos Três Poderes, muitas páginas monetizadas transmitiam ao vivo o crime, ganhando dinheiro. É possível que uma plataforma ganhe dinheiro com o estímulo para que pessoas cometam crimes? É preciso que haja algum tipo de regulação e compartilhamento de responsabilidades. Esse é um debate que ocorre em todo o mundo. O que está em jogo é o direito do cidadão e da sociedade não serem lesados pela desinformação. É o ponto de equilíbrio que precisamos encontrar.