Jair Bolsonaro intensificou seu projeto de golpear as instituições democráticas e impor uma ditadura. Sempre deixou claro, desde a longa carreira parlamentar, que era um adversário do Estado democrático de Direito.

No exercício da Presidência — antes ainda da pandemia — deu inúmeras declarações, no Brasil e no exterior, de simpatia para com as ditaduras e de incômodo com os limites constitucionais estabelecidos ao poder Executivo pela Constituição de 1988. Ao mesmo tempo, foi solapando o aparelho de Estado, minando o que foi edificando, com muito esforço, nos últimos trinta anos.

Deve ser recordado que o Brasil tem uma longa presença autoritária na esfera política. A construção de uma cultura política democrática nunca foi um elemento presente no nosso cotidiano. As veleidades autoritárias sempre estiveram presentes, mesmo em momentos de relativo funcionamento de instituições democráticas. O uso da força rondou a nossa história republicana. O golpismo foi durante décadas uma carta guardada para ser utilizada em momentos de impasses. E desde 1889 inúmeras vezes foi utilizada. O entendimento que, na democracia, é necessário conviver com a diferença, com a pluralidade, com a alternância no poder, com o respeito às instituições, nunca foi compreendido pelas elites políticas. E o povo, no seu mutismo, não compreendeu que reside na democracia a única possibilidade de enfrentamento das desigualdades sociais – isto em um dos Países mais desiguais do mundo.

O ano de 2021 está expondo de forma absolutamente transparente as contradições da democracia brasileira, suas limitações e possibilidades. Só que apresentando uma variável inexistente em outras crises da República: a pandemia. Ela está atingindo o âmago do Estado democrático de Direito. O nazifascismo bolsonarista estabeleceu na morte o foco de sua ação política. O desprezo pela existência humana atingiu o ápice. Como não há guerra externa, restou aos extremistas atacar, pelo negacionismo, os brasileiros. A carnificina sem fim é o objetivo central dos genocidas. Resistir é uma tarefa de sobrevivência nacional.

Como de hábito — e a história republicana tem vários exemplos — a reação é normalmente tardia. Mas quando vêm, chega com força e de forma surpreendente.

As primeiras grandes manifestações de rua, somadas às pesquisas de impopularidade, o agravamento da pandemia, a lenta recuperação econômica, podem interromper a matança antes que seja tarde demais.