É sempre uma data emblemática para todo governo, um ponto de virada que encerra o período de lua de mel de quem está estreando mandato. E cada um dos protagonistas procura mostrar um plantel de diretrizes, ou mesmo de ações práticas, que sinalizam seu estilo de gestão e objetivos a que se propôs. Não está sendo diferente com Lula às vésperas de cumprir a marca. O presidente envolve ministros para trazer à tona algumas das iniciativas já em andamento e outras que ainda estão sendo estruturadas, mas que compõem o arcabouço de promessas de campanha. Naturalmente, o prazo de 100 dias é curto demais para julgar o desempenho de qualquer administração. No máximo, fornece indicativos sobre o estilo e prioridades de quem assumiu o comando do País. Lula, decerto, já entregou e tem a exibir promissoras medidas e movimentações. O que surpreende no caso é a má vontade atávica do mercado, demonstrada até em pesquisa, com o demiurgo de Garanhuns. Dias atrás, o Instituto Quaest, em levantamento com 88 executivos do setor financeiro, constatou estatisticamente a descrença da praça com um governo cujos fundamentos ainda estão sendo construídos e as iniciativas encontram-se em estágio preliminar. Na prática, é quase uma postura de resistência passional e ideológica de parte considerável do PIB, dessa forma acabando por trabalhar também contra o Brasil. Não há nada de objetivo no mau humor evidenciado diante de medidas que oferecem soluções para o déficit público, como a do arcabouço fiscal, e trilham o caminho das reformas. Realmente surpreende a ladainha que foi sendo repisada como mantra por representantes de setores da produção questionando “quando Lula vai começar a governar?”. Exatamente do que falam? Existia, em tempos não remotos, um mandatário que vivia em motociatas, barbarizando a bordo de um jet ski ou mesmo incitando as ruas contra as vacinas e pela baderna. Ali, com toda a algazarra reinante, não havia por parte dos donos do capital tamanha cobrança — ou, sequer, queixas parecidas. Na virada de poder o tom mudou. Descrentes, desconsideram até evidências auspiciosas. Apenas a título de lembrança – e está publicamente disponível em anúncios e relatórios para quem quiser avaliar –, o lote de questões na qual a gestão Lula já se envolveu na busca de soluções é digno de nota. Nos tais 100 dias de conclusão da efeméride, para além do arcabouço fiscal que já está pronto e deve ser anunciado em semanas, foi costurada uma grande e vital equalização da pendência do ICMS dos combustíveis com os Estados. União e agentes federativos chegaram a um entendimento sobre o impasse que vingava desde que Bolsonaro, em uma canetada eleitoreira, havia abolido a cobrança do imposto, gerando um rombo monstruoso nas contas públicas. Era desafio nada simpático uma decisão dessa seara — constituiria uma armadilha capaz de macular junto à população o prestígio de qualquer ocupante da cadeira do Planalto. Mas o time de Lula encarou. Da mesma maneira, movimenta-se em torno de negociações para fazer valer revisões tributárias estruturais, alvo de discórdias históricas dentro do Congresso. A ideia de ofensivas federais não fica por aí. Na série de avanços sociais – que certamente não são capazes de encher os olhos de parte dos representantes do empresariado, esses rotineiramente preocupados apenas com o seu lucro – está em estudo um novo PAC, reformulações do Bolsa Família e do programa de casas populares, além do reajuste da merenda escolar e de um pacote da ordem de R$ 956 milhões para um conjunto de políticas públicas visando à proteção das mulheres. No mesmo rol, o projeto de igualdade salarial entre gêneros, recém-anunciado, e o de composição da estrutura de funcionalismo público com ao menos 30% de negros são revoluções que atacam preconceitos históricos e trazem, inegavelmente, enorme mérito. Há em andamento um novo programa de financiamento de micro e pequenos empreendedores que irá destinar cerca de R$ 2 bilhões via BNDES; um plano de investimentos em infraestrutura que deve ser concluído em abril e efetivos investimentos estaduais para projetos de emergência, como o que ocorreu no caso recente das enchentes em São Paulo. Listar realizações, preocupação de todo mandatário em início dos trabalhos, não parece ser missão difícil para o petista diante de tamanha coletânea. Ele traçou linhas mestras, a mais conhecida delas no contexto social. A outra, que espera deixar como legado em âmbito global, é de um maior protagonismo do Brasil no concerto das nações. Nesse sentido, Lula tem organizado caravanas internacionais desde os primeiros dias — e conquistado trunfos importantes por meio delas. O mais relevante até aqui: a retomada do Fundo Amazônia que, reabilitado, já conta com generosos aportes, depois de ter sido praticamente abandonado pelo antecessor. Lula mira negociações multilaterais para projetar o País, com ambições inclusive de pontificar na condição de moderador do conflito entre Rússia e Ucrânia. O mundo assiste animado às tratativas e concede a ele atenção especial, como aconteceu recentemente no encontro bilateral nos EUA e voltará a ocorrer na China. Em 100 dias, para desgosto de alguns e alívio da maioria, Lula parece ter feito muito mais, por exemplo, do que o seu opositor que durante quatro anos brincou de presidente.