Tivemos contato com a arte barroca em nossa lua de mel na Bahia, em 1959. Desde então, nos apaixonamos por ela” Jacques Boulieu, colecionador, ao lado de Maria Helena (Crédito:Divulgação)

O nascimento do Museu Boulieu surge de uma história de amor. Ocupando as instalações do antigo Asilo São Vicente de Paulo, na cidade mineira de Ouro Preto, o novo espaço acolhe a coleção do casal que batiza a instituição. Maria Helena, de 94 anos, e Jacques Boulieu, de 96, são extremamente religiosos e apaixonados pela arte sacra. Ao longo de suas viagens pelo mundo, os dois acumularam mais de mil obras barrocas de diversos países, entre eles Índia, Sri Lanka, Filipinas, Peru e Guatemala. Do Brasil, há tesouros de estados como Maranhão, Bahia e Minas Gerais. As obras incluem esculturas, pinturas, oratórios, imagens e aparatos litúrgicos, entre outros objetos. O conjunto dos trabalhos revela como o catolicismo foi interpretado e recriado em culturas bastante heterogêneas, em épocas que variam do fim do século 17 ao início do 20.

Sem filhos, o casal franco-brasileiro que hoje mora no Rio de Janeiro decidiu doar os itens da coleção pessoal para a construção de um museu na cidade favorita dos dois. “Tivemos contato com a arte barroca em nossa lua de mel, em 1959. Desde então, nos apaixonamos por ela”, conta Boulier. Inaugurado na semana Santa, o Museu Boulieu conta com 1050 peças das 2.500 da Coleção Boulieu. Do ponto de vista do contexto histórico, é possível associar a religiosidade do estilo ao período em que as navegações portuguesas conquistaram o mundo.

“O maior desafio era criar um museu que não fosse apenas mais um lugar de arte sacra em Minas Gerais”, explica Luiz Fernando de Almeida, diretor do Instituto Pedra, responsável pela concepção do museu. Para ele, reunir essas obras internacionais em um local tão importante como Ouro Preto, antiga Vila Rica e cidade de Aleijadinho, nosso maior artista dessa escola, consolida a cidade como a capital mundial da arte barroca. Além de resgatar o passado, o espaço também olha para o futuro por meio da tecnologia e de recursos interativos. Há estações de conteúdo multimídia, com destaque para os vídeos em que a cantora Maria Bethânia declama poemas de Fernando Pessoa e Camões, transportando o visitante para uma outra época.

Além das igrejas

Para Zaqueu Astoni, presidente do Instituto Boulieu, o museu marca o renascimento da cidade após a pandemia. “Sofremos muito com a falta do turismo. Poucos sabem, mas esse setor emprega mais que a mineração. Abrir um museu é um ato de resistência”, diz ele. Além das obras originárias do exterior, o Brasil também está representado: há uma curadoria feita de acordo com os estados brasileiros. Na seção dedicada a Minas Gerais é possível observar a presença dos chamados “santos de casa”, quando as obras saíram das igrejas para ocuparem os lares dos fiéis.

O conjunto de edifícios onde está localizado o museu é uma atração à parte. Apesar de algumas das bases remontarem ao final do século 18, o imóvel foi construído em 1932 pelos vicentinos para ser usado como asilo, função que cumpriu até a transferência do complexo hospitalar para o bairro da Bauxita, no final dos anos 2000. “Por ser um prédio sanitarista, tivemos de adaptá-lo para deixar o espaço mais acessível. Fizemos isso, obviamente, sem descaracterizar a sua história”, explica Almeida. A inauguração do novo museu mineiro é um presente para todos os brasileiros.

O mestre brasileiro

Mesmo antes de o Brasil ser um país independente, já existia um artista tipicamente brasileiro: Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. Nascido em Ouro Preto, em 1738, Aleijadinho foi um escultor, entalhador e arquiteto do Brasil colonial. Suas obras estão espalhadas por Ouro Preto, antiga Vila Rica, mas também pelas cidades de Tiradentes, São João Del-Rei, Mariana, Sabará, Morro Grande e Congonhas do Campo. Entre suas obras mais conhecidas está a Igreja de São Francisco de Assis, arquitetada por ele em 1766. O altar-mor, o retábulo, o frontispício e a fonte-lavabo da sacristia também foram feitos pelo artista e são famosos mundialmente. Sua coleção principal, no Santuário do Bom Jesus do Matosinhos, na cidade de Congonhas, tem doze profetas esculpidos em pedra-sabão e ilustra os seis passos da Paixão de Cristo.