A abertura da “caixa-preta do BNDES” foi uma das principais bandeiras de Jair Bolsonaro durante a campanha presidencial. Desde o início do seu mandato ele declarou que finalmente a população conheceria as irregularidades cometidas no banco de fomento durantes as gestões petistas. Por causa disso, forçou a demissão de um dos maiores quadros do seu governo, o ex-presidente do BNDES Joaquim Levy, acusado de não se empenhar com a transparência da instituição — o que sempre foi negado pelas evidências e por ex-dirigentes do banco. Na última semana, quase três anos depois do início de uma ampla auditoria interna para investigar os negócios com o Grupo J&F, o BNDES precisou anunciar que nenhuma irregularidade tinha sido encontrada. Como diz o provérbio latino, a montanha pariu um rato. Pior: a própria análise se tornou um escândalo, já que foram consumidos nada menos que R$ 48 milhões em uma investigação que não deu em nada.

AUDITORIA Desde 2017, foram auditadas operações realizadas entre 2005 e 2018 pelo BNDES com o Grupo J&F, proprietário da JBS: sem irregularidades (Crédito:EVARISTO SA)

Aditamentos

“Não há mais nada a esclarecer. Não houve nada de ilegal”, foi obrigado a declarar o atual presidente do banco, Gustavo Montezano, em uma entrevista coletiva na quarta-feira, 29. Ele afirmou que uma auditoria foi contratada em 2017 para analisar oito operações do banco com o grupo empresarial, com repasses que somam R$ 20,1 bilhões em valores atualizados. Na previsão inicial o serviço custaria R$ 23,3 milhões. O BNDES pagou para o trabalho de consultoria da Cleary Gottlieb Steen & Hamilton LLP, subcontratada pelo escritório Levy & Salomão Advogados, para escrutinar os números do banco em operações realizadas entre 2005 e 2018. Aditamentos sucessivos contratados posteriormente levaram à elevação. Foram justificados pelo aumento do volume de informações, pela Operação Bullish, da Polícia Federal, e pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instalada no Congresso. Durante a gestão de Montezano, em julho passado, teria ocorrido apenas a decisão de aumentar em R$ 2,3 milhões os gastos com a auditoria “shadow” — responsável por revisar a auditoria principal. O custo final, segundo ele, foi de R$ 42,7 milhões. A diferença [para os R$ 48 milhões] se deve à contabilização das despesas de acordo com o câmbio de cada período.

“Não há mais nada a esclarecer. Não houve nada de ilegal. O BNDES está pronto para virar a página” Gustavo Montezano, presidente do BNDES

As explicações não melhoraram a situação de Montezano nem justificaram o papelão. O presidente Jair Bolsonaro reagiu com irritação. “Essa auditoria começou no governo [Michel] Temer e teve dois aditivos. O último aditivo, parece, não tenho certeza, seria na ordem de R$ 2 milhões. E chegou a R$ 48 milhões no final. Tá errado, tá errado. Tem coisa esquisita aí. Parece que alguém quis raspar o tacho”, afirmou. Não é o primeiro constrangimento que Montezano enfrenta no cargo. Aos 38 anos, ele foi alçado à presidência do BNDES por Guedes e pela amizade com os filhos do presidente. Anunciou que “abrir a caixa-preta” era uma de suas principais metas. Foi contestado ao tentar emplacar nomes de sua preferência contra quadros do BNDES e pela inexperiência para gerir uma instituição de tamanha magnitude. Tem no currículo um processo judicial por ter arrombado os portões do condomínio em que morava em São Paulo, em 2015, para comemorar seu aniversário — no episódio, Eduardo Bolsonaro estava presente. Agora, precisou enfrentar a ira do presidente. “O garoto lá [Montezano] eu conheço, por coincidência, desde pequeno. É um jovem bem intencionado. E ele que passou as informações disso, que são os aditivos. A ordem é não passar a mão na cabeça de ninguém. Expõe logo o negócio e resolve.” Montezano tentou reverter a situação e disse que encarou como “um elogio” a menção de garoto feita pelo presidente. Não convenceu.

Lição de moral

As explicações foram mal recebidas no Planalto. O presidente ficou ainda mais exposto diante das declarações que transformaram em pó uma das grandes bandeiras políticas que construiu contra as gestões petistas. Além disso, Montezano fez um desastrado exercício retórico para tentar justificar o fiasco. Segundo ele, o próprio País “legalizou” um esquema de corrupção que teria resultado, entre outros malfeitos, no uso indevido dos recursos financiados pelo banco. E tentou voltar à ofensiva, dando uma lição de moral. “A gente [o País] construiu leis, normas, aparatos legais e jurídicos que tornaram legal esse esquema de corrupção. A conclusão é essa”, afirmou. Agora, segundo ele, “o BNDES está pronto para virar a página”. Talvez não. Como ficou evidente, o banco de fomento, pilar do desenvolvimento do País nas últimas décadas, está sendo gerido de uma forma no mínimo questionável. É lamentável que Bolsonaro só esteja espantado agora.