"Ainda estou aqui" pode dar o primeiro Oscar ao Brasil. "Orfeu do Carnaval" venceu em 1960, mas a estatueta ficou com a França."Manhã, tão bonita manhã" é o verso que abre a canção Manhã de Carnaval, com música de Luiz Bonfá e letra de Antônio Maria. Sua melodia tornou-se famosa mundialmente graças ao grande sucesso do filme Orfeu do Carnaval.
Lançado em 1959, o filme foi baseado na peça Orfeu da Conceição, de Vinicius de Moraes, encenada três anos antes com cenário de Oscar Niemeyer e trilha sonora de Tom Jobim. Dirigido pelo francês Marcel Camus, Orfeu do Carnaval foi o vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes em 1959 e ganhou o Oscar de Melhor Filme Internacional em 1960.
Conhecido internacionalmente pelo título Black Orpheus, com o passar dos anos passou a ser chamado no Brasil de Orfeu Negro. Ambientado numa favela carioca, o filme conta a história de amor de Orfeu — interpretado pelo jogador de futebol Breno Mello — e de Eurídice — interpretada por Marpessa Dawn, americana radicada na França e ex-esposa de Marcel Camus.
Inspirado na mitologia grega, Orfeu do Carnaval é falado em português e tem elenco brasileiro, com Léa Garcia — que se tornaria uma das grandes atrizes brasileiras da segunda metade do século 20 —, Lourdes de Oliveira — que se casou com Camus durante as filmagens —, o compositor Cartola e o bicampeão olímpico de salto triplo, Adhemar Ferreira da Silva.
As cenas em que Orfeu canta foram dubladas pelo cantor Agostinho dos Santos. A trilha sonora, assinada por Luiz Bonfá e Tom Jobim, tinha também a canção A Felicidade, com letra de Vinicius de Moraes.
O sucesso do filme abriu alas para a invasão da Bossa Nova nos Estados Unidos durante a década de 1960. Se hoje a atriz Fernanda Torres faz um périplo pelos principais programas de televisão dos EUA, graças ao sucesso de Ainda estou aqui, o mesmo aconteceu à época com o cantor e compositor Luiz Bonfá.
No entanto, graças à produção franco-ítalo-brasileira liderada por Sacha Gordine — produtor francês nascido na Rússia — e à direção do francês Marcel Camus, o Oscar de Orfeu do Carnaval é oficialmente da França, e não do Brasil.
O cinema brasileiro no Oscar
"Essa coisa da arte no contexto de competição é uma coisa que interessa mais ao mercado", diz à DW o crítico de cinema Adolfo Gomes. "O Brasil, em termos de Oscar, nunca foi devidamente representado", avalia.
A primeira indicação brasileira ao prêmio foi em 1945, quando o compositor Ary Barroso concorreu na categoria Melhor Canção Original. Depois, em 1963, o filme O pagador de promessas, dirigido por Anselmo Duarte, concorreu na categoria Melhor Filme Internacional, a mesma vencida três anos antes por Orfeu do Carnaval. "O Pagador de promessas, para mim, é uma espécie de Orfeu feito por um brasileiro. É um filme com uma visão internacionalista", avalia Adolfo Gomes.
Depois de um longo hiato, foi só na década de 1990 que um filme brasileiro voltou a concorrer na categoria Melhor Filme Internacional, como resultado da chamada retomada do cinema brasileiro. "É incrível, e foi o esforço do clã Barreto", diz Gomes sobre a sequência de indicações na categoria.
Em 1996, O Quatrilho, dirigido por Fábio Barreto, foi o primeiro da lista. Em 1998, foi a vez de O que é isso, companheiro?, de Bruno Barreto. O filme tinha Fernanda Torres no elenco e também se passava no período da ditadura militar, mostrando o caso do sequestro do embaixador dos EUA, Charles Elbrick.
Em 1999, Central do Brasil, estrelado por Fernanda Montenegro e dirigido por Walter Salles, o mesmo diretor de Ainda estou aqui, foi o último filme brasileiro indicado a Melhor Filme Internacional. De quebra, Montenegro ainda foi indicada na categoria Melhor Atriz. Este ano, Ainda estou aqui recebeu indicações nessas mesmas categorias, e também na de Melhor Filme, indicação inédita para o cinema brasileiro.
Em 2004, Cidade de Deus recebeu quatro indicações, incluindo a de Melhor Diretor para Fernando Meirelles, mesma indicação recebida pelo argentino naturalizado brasileiro Héctor Babenco, em 1986, por O Beijo da Mulher Aranha.
O Brasil também teve indicações em categorias de curta metragem, além de duas em Melhor Filme de Animação e três em Melhor Documentário de Longa Metragem, com Tetê Vasconcellos, Juliana Salgado e Petra Costa.
Em 2012, Carlinhos Brown e Sérgio Mendes concorreram na categoria Melhor Canção Original com Real in Rio, trilha da animação Rio, de Carlos Saldanha.
Apesar de todas as indicações, até agora, o Brasil nunca foi premiado com um Oscar, que laureia obras cinematográficas desde 1929.
A visão estrangeira em "Orfeu do Carnaval"
Em 1959, o sucesso de Orfeu do Carnaval movimentava a imprensa e até a política nacional. O Jornal do Brasil anunciou que Vinicius de Moraes, Marcel Camus e parte do elenco do filme foram recebidos no Palácio das Laranjeiras pelo presidente Juscelino Kubitschek, que já havia assistido ao filme numa sessão exclusiva no palácio.
"Há um certo questionamento com relação a Orfeu do Carnaval porque não deixa de ser um olhar estrangeiro romantizado sobre a favela", diz Adolfo Gomes.
Grande rival de Ainda estou aqui na luta pelo Oscar, o filme Emilia Pérez também tem o olhar estrangeiro de uma produção francesa. "Emilia Pérez é um filme desterritorializado, ele nem é filmado no país em que ele contextualiza a história", diz Gomes. "Acho que Camus foi sincero, ele não veio pra cá com um olhar colonizador".
Na época do lançamento, a crítica brasileira se dividiu no parecer a Orfeu do Carnaval. "A crítica tradicional, dos que já escreviam desde os anos 40, gostou do filme. A geração mais jovem tinha restrições", conta Gomes.
"Quando eu vi o filme do Camus, que eu achei um horror, uma traição à peça, uma traição à realidade brasileira, não tinha nada a ver com a favela carioca, eu disse pra mim mesmo: ‘um dia eu vou ter que refazer esse filme pra fazer justiça à peça'", disse Cacá Diegues no documentário Mito Negro, Orfeu Brasileiro, de 2011. Um dos grandes nomes do Cinema Novo, Cacá Diegues faleceu no último dia 14 de fevereiro, aos 84 anos.
Em 1999, o diretor lançou Orfeu, sua própria versão da peça de Vinicius de Moraes. "Eu prefiro o Orfeu de Cacá Diegues", opina Adolfo Gomes.
Agora, a esperança do cinema brasileiro para vencer o Oscar é Ainda estou aqui, que já alcançou a marca de 5 milhões de espectadores e arrecadou mais de R$ 120 milhões de reais em bilheteria pelo mundo.
"Do ponto de vista da cinematografia de Walter Salles, eu acho um dos melhores que ele fez", avalia Gomes. "O que mais me emocionou no filme foi Fernanda Montenegro. Aquela atuação dela, de alguma maneira, é um tributo a Buster Keaton, a todos aqueles que fizeram tudo apenas com um olhar, com uma expressão", analisa.