Em meio à crise econômica e política, à greve dos caminhoneiros, ao crescimento da violência e à escassez de alimentos, a comunidade Olho D’Água, criada para ser um pequeno pedaço do paraíso em Mogi das Cruzes, no interior de São Paulo, se desenvolve e floresce. Tem-se ali um projeto experimental de permacultura, sistema de ocupação humana sustentável que une práticas tradicionais e conhecimentos avançados em agricultura, arquitetura e ciências sociais para prosperar em harmonia com a natureza. Seus pilares são o cuidado com a terra, o respeito às pessoas, o compartilhamento de excedentes e a eliminação de desperdícios. O clima é de paz e amor, no melhor estilo hippie, com crianças brincando livremente e aprendendo ao ar livre.

EDUCAÇÃO Crianças vivem em contato com a natureza e aprendem a produzir alimentos (Crédito:Gabriel Reis)

Mas o que não falta trabalho duro. A comunidade é hoje tocada por duas famílias e mantém um projeto agroflorestal de produção de alimentos orgânicos. Eles também articulam redes colaborativas de agricultores da região e dão cursos de formação em permacultura para crianças e adultos. Nos fins de semana, o sítio, situado em uma área de proteção na Serra do Mar, recebe grupos de até 40 pessoas. “Antes, em comunidades como a nossa, havia o sentimento de ruptura com o sistema. Agora a gente quer dialogar com o mercado, criar novas formas de relações humanas e de economia”, afirma o engenheiro florestal e permacultor Rafael Bueno, de 37 anos, idealizador da comunidade, junto com sua mulher, a professora de ioga Renata Fontes.

Com dez anos de vida, a comunixade Olho D’Água é um exemplo bem encaminhado de um movimento de comunidades alternativas e ecovilas que avança no Brasil. Um número crescente de jovens brasileiros está fazendo a transição das áreas urbanas para o campo, em busca de uma existência mais simples, com menos impacto ambiental, e de elevação espiritual. Ganha força a utopia de uma vida equilibrada, sustentável e menos estressante.

Gabriel Reis

Comunidades alternativas existem desde o século passado com finalidades espirituais, sexuais e produtivas. A novidade é que elas estão se integrando em rede e apresentando formas realmente viáveis de se envolver com a sociedade, sem pensar no lucro como um fim em si mesmo e erguendo uma microeconomia regional não predatória.

Segundo estimativas do Instituto Irradiando Luz, existem hoje no país cerca de 300 comunidades intencionais, nascidas a partir de um plano de ocupação controlada. Elas proliferam em locais como a Chapada dos Veadeiros, em Goiás, e o Sul da Bahia. Em São Paulo há dezenas de agrupamentos desse tipo, muitos em estágio embrionário. Em Mogi das Cruzes contam-se ao menos dez em atividade.

Divulgação

O economista Tomáz Ahau, 50 anos, é fundador e coordenador de projetos da Casa dos Hólons, uma rede colaborativa de produção de alimentos orgânicos que segue os princípios da permacultura e funciona no bairro de Parelheiros, na zona Sul de São Paulo. A força produtiva da rede está concentrada em duas propriedades na região: o Sítio Treze Luas, onde três famílias compõem uma comunidade intencional; e a Chácara Semente Solar, que emprega duas famílias. “Na verdade, tratam-se de duas ecovilas, no que se refere ao planejamento, ao design e à ocupação do solo, feita de maneira sustentável”, diz Ahau. “Estamos em busca de novas formas de viver e de se conectar com a sociedade.” Um projeto lançado há três meses pela Casa dos Hólons foi a realização de uma feira de orgânicos.

A experiência de Piracanga

PIRACANGA Produção local de produtos de higiene pessoal biodegradáveis e tempo para a meditação (Crédito:Gabriel Reis)

Uma das mais conhecidas e prósperas comunidades alternativas brasileiras é a de Inkiri Piracanga, pequeno reino de auxílio espiritual e busca de autossuficiência criado há sete anos pela terapeuta holística portuguesa Angelina Ataíde na Península de Maraú, no Sul da Bahia. Debaixo da sombra dos coqueiros que abundam por ali, 29 pessoas tratam de levar sua vida meditando, praticando reiki e ajudando seus semelhantes com soluções inteligentes de desenvolvimento social e contato com a natureza. A comunidade cresceu tanto que hoje conta com um banco e dinheiro próprios. Há duas semanas, o banco Inkiri fechou sua primeira operação de microcrédito de R$ 2,56 mil. O beneficiado pelo empréstimo foi um dos agricultores do bairro de Massaranduba, onde são produzidos os alimentos orgânicos que abastecem o lugar. A iniciativa mostra como a comunidade vem se integrando com a economia e a sociedade, e evolui, de maneira inovadora, como um dos principais centros de retiro místico do País. O inkiri, que funciona em paridade com o real, já conta com 800 mil notas em circulação e aumentou em oito vezes a quantidade de trocas na economia local, que envolvem alimentos e produtos de higiene pessoal biodegradáveis fabricados internamente. Piracanga recebeu cerca de 2 mil visitantes para retiros, em 2017, e movimentou 2,8 milhões de reais. “Nosso objetivo não é crescer em faturamento, mas investir em nossa organização e criar projetos interessantes”, diz Vanessa Ruiz, jornalista e membro da comunidade Inkiri Piracanga. “O que temos aqui é uma tentativa de retorno à simplicidade e de viver com mais amor”.

A influência de Osho

Gabriel Reis

Um dos componentes mais importantes das comunidades alternativas é o espiritual. Em todas elas há algum tipo de influência mística que une as pessoas que buscam a expansão da consciência. O Santo Daime, por exemplo, costuma ser uma prática aglutinadora de alguns grupos. A meditação transcendental é outra. Em Piracanga, segue-se a técnica do reiki, em que se manipula a energia vital universal pelas mãos, e também se exercita a leitura de aura.

Em algumas comunidades ainda se pratica a meditação dinâmica do indiano Bhagwan Shree Rajneesh, o Osho. Osho pregava uma forma de meditação vigorosa e entusiasmada, que servia de caminho para a libertação espiritual. Notabilizou-se por liderar uma comunidade alternativa no estado de Oregon, nos Estados Unidos, cuja história está contada na série “Wild Wild Country”, da Netflix. A comunidade fracassou, entre outros motivos, por conta da dificuldade de integração com a sociedade local.

Mesmo assim, as técnicas de Osho resistem e ganham adeptos. No Brasil, há pelo menos 30 centros de meditação baseados nas ideias do guru. Eles oferecem programas terapêuticos e alguns funcionam como pequenas comunidades — em busca da utopia.