Mary Hellen dificilmente será extraditada para o Brasil. A pena de morte tem sido aplicada mais no tráfico de heroína que de cocaína. Mas isso vale, sobretudo, para tailandeses condenados, não para estrangeiros

O que leva uma moça de 22 anos de idade, educada e bonita, que não é rica mas também não passava fome, que possuía emprego fixo numa churrascaria, a sair da pequena cidade mineira de Pouso Alegre, onde morava, e ser presa transportando nove quilos de cocaína no aeroporto de Bangcoc, na Tailândia? O caso, ocorrido em meados de fevereiro, veio à tona no País na semana passada. Juntamente com ela, foi preso um brasileiro, com quatro quilos da mesma droga. Um terceiro moço, também proveniente do Brasil, desembarcado de outra aeronave, acabou igualmente detido, com dois quilos. Todos os três decolaram de Curitiba. O nome da brasileira é Mary Hellen Coelho Silva, e pode-se agora aprofundar a indagação feita acima: por que traficar na Tailândia, já que é mais que sabido que lá o tráfico é punido com pena de morte?

Pergunte-se isso a algumas mulheres presas por tráfico aqui no Brasil, e elas têm a resposta na ponta da língua: “adrenalina”. Não se referem, especificamente e em termos clínicos, ao hormônio produzido em nosso organismo pelas glândulas suprarrenais. A “adrenalina”, em questão, é gíria que traduz uma forma extremamente agitada de viver, irresponsável e inconstante, um modo de “olhar o tempo e a vida como se olha um filme; não como algo real”. Isso implica diretamente falta de maturidade emocional e cognitiva, e vice-versa. É de gente assim, chamada “mula” no mundo do crime, que traficantes se valem para despachar suas proibidas mercadorias. Com a palavra o psiquiatra da USP Fábio Scaramboni Cantinelli: “por aquilo que o caso nos demonstra, essa moça não possui problemas de ordem neurológica. Tudo leva a crer que, por falta de maturidade, ela caiu no conto da mula”. “Há a possibilidade de ela não ter conhecimento daquilo que havia no fundo falso de sua mala”, diz um de seus advogados, Telêmaco Marrace. “Ou seja: sem saber de nada, entrou na história como ‘mula’”.

AEROPORTO a polícia revista a bagagem: nove quilos de cocaína (Crédito:Divulgação)

“Dinheiro vira jumbo”

A falta de maturidade de Mary fica explícita, também, em contraditórias opiniões que ela postava nas redes sociais, nas quais se definia como “a dona da razão”. Em uma dessas postagens, a jovem brinca, pedindo um caminhão de ecstasy de presente de natal. Em um vídeo, aparece fumando maconha. Em outro comentário, embora use linguagem característica de transgressores, Mary critica justamente o tráfico de drogas e transmite às pessoas o recado de que a vida desonesta não compensa: “quando você trafica e ‘mete’ assaltos, o dinheiro vem rápido, a adrenalina domina o coração (…). Mas quando a ‘casa cai’, o dinheiro vira ‘jumbo’ e os parceiros viram as costas”. Como se vê, tudo é meio bagunçado, pendular e nebuloso na cabeça dessa moça, que obviamente precisa que a lei lhe imponha limites. Ela não merece, porém, a barbaridade da pena de morte. “Sou totalmente contrário à pena capital. É inadmissível que o Estado se arrogue ao direito de legalmente tirar a vida de alguém”, diz Paulo Borba Casella, professor titular de Direito Internacional Público da USP. “Mas a encrenca em que ela se envolveu é séria”.

É importante observar que entre as postagens de Mary e ela consumar a viagem à Tailândia vão enorme diferença e distância, e suas manifestações nas redes sociais não explicam o ato – até porque tais redes sociais, atualmente, prestam-se mais ao tolo exibicionismo que à verdade. Ou seja: continua-se, aqui, com a mesma pergunta, ainda em aberto: o que levou Mary a esse desatino que pode colocá-la diante de um pelotão de fuzilamento? O advogado da família elimina esse risco, porque, obviamente, não seria ele desumano a ponto de dizer que a triste possibilidade é real a parentes que já estão perplexos e desesperados com a prisão de Mary, incomunicável e vivendo hoje numa cela a dezessete mil quilômetros longe de Pouso Alegre. Ou seja, também para familiares tudo é conjecturas, a pergunta que se faz segue sem resposta: “não sabemos como as coisas chegaram a esse ponto, ela sempre teve um comportamento que eu chamo de limpo”, disse à ISTOÉ a irmã de Mary, Mariana Coelho. “Está sendo aterrorizante para a família inteira”.

EXECUTADO Marco Archer: droga na Asa-Delta (Crédito:Beawiharta BEA/TW)

Brasileiros que foram executados por tráfico de drogas

A Tailândia não é o único país a punir traficantes de drogas com a pena de morte. Dois brasileiros, o paranaense Rodrigo Gularte, 42 anos, e o carioca Marco Archer Cardoso Moreira, 53, foram fuzilados em 2015, na Indonésia. Gularte viu-se flagrado transportando seis quilos de cocaína escondidos em pranchas de surf. Moreira, que trabalhava como instrutor de voo livre, tentou entrar no país com treze quilos escondidos em tubos de sua Asa-Delta, mas a droga foi descoberta pelo raio-x, no aeroporto de Jacarta. Naquele momento ele conseguiu fugir. Acabou, no entanto, capturado duas semanas depois. Os processos que culminaram nas mortes são distintos, mas levaram os mesmos onze anos para serem concluídos. Durante esse período o Brasil tentou interceder diplomaticamente para evitar que fosse aplicada a pena capital à dupla, mas após inúmeras tentativas, sem sucesso, o governo federal resolveu apelar para a única alternativa que de fato poderia funcionar: um pedido de clemência. Foi o que fez , em vão, a ex- presidente Dilma Rousseff. Absolutamente irredutível, o presidente indonésio, Joko Widodo, negou a solicitação. Na época se desenvolveu uma crise diplomática entre Brasil e Indonésia, mas o governo de Widodo declarou que os tramites jurídicos foram respeitados e, portanto, não haveria complacência com traficantes de drogas.