Gado é o termo pejorativo frequentemente atribuído aos seguidores do presidente Jair Bolsonaro. Isso porque, mesmo em situações de flagrante equívoco do governo, seus seguidores apoiam bovinamente atitudes que condenariam caso fosse outro o presidente. E assim, onde passa um boi, passa uma boiada. Quando o assunto é meio ambiente a prática é ainda mais acintosa. O ministro Ricardo Salles disse na reunião ministerial que é preciso aproveitar a “oportunidade” da pandemia para ir “passando a boiada”. A única interpretação possível é que o ministro falava da fragilização ainda maior dos controles ambientais, em especial no que se referem a populações indígenas, grilagens de terra e desmatamento. A primeira resposta veio do deputado federal Célio Studart (PV-CE) que encaminhou pedido de impeachment de Salles. A ex-ministra Marina Silva (Rede-AC) repudiou a fala do ministro e afirmou que em 2019 foram desmatados 9.165 km2, ou seja, um aumento de 85,3% em relação a 2018. Há, além disso, um pedido de investigação do ministro Ricardo Salles no Supremo Tribunal Federal (STF), assinado pelos senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Fabiano Contarato (Rede-ES), e pelos deputados Alessandro Molon (PSB-RJ) e Joênia Wapichana (Rede-RO), requerendo seu afastamento imediato do cargo. Na prática o que acontece é que o boi já está no pasto.

RETROCESSO O desmatamento já é evidente na Amazônia e o ministro Ricardo Salles avisa que vai aproveitar a Covid-19 para aprovar medidas ainda mais permissivas ao do meio ambiente

O desmatamento é algo visível e a política implantada é altamente nociva. Há um desejo claro de desmontar toda a legislação vigente que inibe agressões ao meio ambiente. Bolsonaro anunciava na campanha eleitoral, que acabaria com a indústria da multa ambiental. Até porque o próprio foi flagrado em pesca ilegal em 2012. Assim que assumiu a Presidência, em 2019, tratou de exonerar o fiscal responsável pela multa. O ataque sistemático aos povos indígenas também não é segredo. Salles representa fielmente o que o mandatário quer. E, ainda que absurda, a sua declaração não causou surpresa aos demais ministros. Em nota oficial, Salles tentou se explicar: “Sempre defendi desburocratizar e simplificar normas, em todas as áreas, com bom senso e tudo dentro da lei. O emaranhado de regras irracionais atrapalha investimentos, a geração de empregos e, portanto, o desenvolvimento sustentável no Brasil”. Em resumo, o ministro não se desculpou pela horrível cena que protagonizou.

Sociedade repercute

A reação da opinião pública foi de reprovação ao ministro. A ativista sueca Greta Thunberg escreveu no Twitter: “Apenas imagine as coisas que foram ditas longe da câmera”. O Greenpeace escreveu no seu site: “Ricardo Salles quer a destruição ambiental”. O grupo WWF nomeou as medidas tomadas pelo governo durante a pandemia de “atos infralegais que prejudicam o meio ambiente”. As ações inadequadas foram tomadas por Salles entre os dias 5 de março e 13 de maio, o que corrobora com as intenções do ministro no vídeo (ver quadro ao lado). Após enfraquecer órgãos como Ibama e Instituto Chico Mendes, o governo investiu na militarização. As Forças Armadas ao custo de R$ 60 milhões em um mês (11 de maio a 10 de junho) foram escaladas para fazer a fiscalização. O recurso anual do Ibama é de R$ 76 milhões. Há denúncias de que as ações militares não resultam em multas, prisões ou apreensões.
Além de “passar a boiada”, Salles sugere que, após as desregulamentações, a Advocacia Geral da União (AGU) fique de prontidão para responder ao poder Judiciário. O PL 2633/2020 foi a única medida que não obteve êxito e teve a votação adiada. O projeto veda titulação de terras indígenas, quilombolas e de populações tradicionais. Conforme a Human Rights Watch, apenas cinco casos de infrações ambientais foram punidas com multa desde outubro de 2019. Com Salles como ministro, a destruição ambiental ficou muito mais simples e rápida.