CENTRAL PARK Hospital de campanha foi montado onde os nova-iorquinos costumam fazer piqueniques (Crédito:Stringer / Sputnik)

Caminhar por Nova York é o sonho de qualquer viajante que se preze desde que Frank Sinatra cantou sobre os “sapatos vagabundos” em “New York, New York”. Hoje, porém, é hora de deixar essa vontade na caixinha de desejos: a Big Apple está doente e não pode exercer sua vocação de cidade que nunca dorme. Assolada pelo Coronavírus, a maior metrópole dos Estados Unidos mudou sua rotina e se tornou um cenário que mais parece um filme de ficção: os tradicionais táxis amarelos, as lojinhas lotadas em Chinatown e as milhares de pessoas espremidas na Times Square sumiram e deram lugar a um grande e deprimente vazio.

TIMES SQUARE Em vez dos milhares de turistas espremidos no cartão-postal da cidade, um cenário desolador (Crédito:Tayfun Coskun / Anadolu Agency)

O único movimento intenso tem ocorrido nos hospitais e, mais recentemente, nos necrotérios. As portas dos comércios essenciais da cidade que nunca dormia hoje fecham às 8 da noite. Ao todo, os Estados Unidos já tem mais de 213 mil infectados — mais de 43 mil apenas na cidade de Nova York ­— e 4.300 mortos, mais de mil deles na cidade de Nova York. Segundo dados do site da Escola de Saúde Pública Johns Hopkins, os números crescem assustadoramente. O governador do Estado, Andrew Cuomo, acredita que é possível reduzir a projeção oficial inicial de 200 mil mortes no país para cerca de 100 mil. De acordo com as estatísticas, o universo de contaminados pode chegar a 2,2 milhões de pessoas. Os EUA já ultrapassaram a Itália (110 mil), a Espanha (102 mil) e a China (82 mil) em número de contaminados.

A tensão e o clima de guerra fazem lembrar que a pandemia superou o número de 2.753 mortos nos ataques em 11 de setembro de 2001. O local utilizado para atender as vítimas na ocasião, inclusive, foi reativado para receber os mortos pelo coronavírus. Durante a recepção ao navio-hospital USNS Comfort, que seria ancorado em Manhattan, o prefeito da cidade, Bill de Blasio, alertou que “as semanas mais difíceis ainda estão por vir”. O navio-hospital cuidará de pacientes com outras enfermidades, liberando os leitos de hospitais da cidade para o tratamento contra o coronavírus.

“O que mais se ouve é o som das ambulâncias. Muita coisa já acabou no supermercado, parecia o apocalipse. Os nervos estão à flor da pele, o clima está tenso.” Michelle Alves de Lima, jornalista brasileira que mora em Nova York (Crédito:Divulgação)

Cenário de ficção

Outro importante ponto turístico da cidade, o Central Park, virou palco para a instalação de hospitais militares, os “hospitais de campanha”. A corrida para a construção de equipamentos de saúde não tem descanso: em conjunto com os engenheiros do exército dos EUA, a guarda municipal construiu um hospital improvisado no centro de convenções Javits Center. Apesar da realidade econômica privilegiada da cidade, médicos relatam uma luta contra a falta de uniformes, máscaras e demais equipamentos. Na internet, viralizaram vídeos mostrando pessoas mortas sendo colocadas por uma empilhadeira em um caminhão, no bairro do Brooklyn. O presidente americano, Donald Trump, cético quanto ao impacto do coronavírus no início da crise, cedeu aos dados oficiais. Hoje, o país supera a China em número de mortos, mas a curva de crescimento das vítimas ainda está no início. Não há espaço para otimismo: a principal discussão é que algo precisa ser feito para que as autoridades não fiquem tantos passos atrás do vírus.

Ainda não é possível saber por que o coronavírus atingiu mais a cidade de Nova York do que outras capitais americanas. Pode ser a alta densidade demográfica da ilha de Manhattan, o intenso movimento do metrô ou até mesmo pelo fato de que a cidade é a capital mais cosmopolita do mundo, com viajantes entrando e saindo a toda hora. A verdade é que o coronavírus mudou a realidade de Nova York, e hoje a cidade que nunca dorme passa por dias de pesadelo.