Não acho que as Forças Armadas sejam uma instituição acima da média no Brasil.

A participação dos militares no governo deixou claro que eles têm vícios muito brasileiros, como o corporativismo.

Na reforma da Previdência, eles fizeram pressão e conseguiram condições mais favoráveis que as de qualquer outra categoria. Nas discussões de orçamento, alcançaram vitórias seguidas, preservando suas verbas enquanto outras áreas prioritárias perdiam recursos. Além disso, ocuparam tantos cargos quanto possível na administração federal, com valentia, audácia e sem hesitar um instante (como diz a Canção do Paraquedista).

Tudo bem. Cada um cuida do seu. Mas esse comportamento não autoriza os militares a dizer que eles têm um senso cívico mais elevado que o de outros servidores públicos ou mesmo brasileiros comuns.

Até porque não é verdade que as Forças Armadas foram deixadas ao léu no correr dos anos. Como já comentei aqui, o Brasil ocupa hoje a nona posição no ranking de poderio militar do Global Firepower. Nada mal para um país que não está em guerra. E se há déficit tecnológico, é porque a escolha histórica foi investir em pessoal. Cerca de 80% dos gastos militares são destinados aos soldos.

A participação dos militares no governo também demonstrou que a formação que recebem não é garantia de competência técnica. Não preciso me alongar sobre o caso de Eduardo Pazuello, um especialista em logística que deu ao Brasil a pior logística do mundo no combate à pandemia. Aliás, Pazuello cercou-se de vários outros militares no Ministério da Saúde. Nada de bom veio disso.

O fato de os militares estarem na média, contudo, significa que eles ainda são muito melhores do que Jair Bolsonaro.

Assim como a maioria dos brasileiros, e ao contrário de Bolsonaro (que, aliás, foi diagnosticado como “mau militar” por Ernesto Geisel, em 1993), aqueles que hoje ocupam os postos de generais, almirantes e tenentes-brigadeiros nas Forças Armadas absorveram, nas últimas décadas, a crença na democracia e no império da lei.

Ao contrário de Bolsonaro, e como a maioria dos brasileiros, eles não têm pretensões golpistas, nem querem lançar o país em um tempo de arbitrariedade.

São prova disso os três comandantes das Forças Armadas que hoje entregaram seus cargos, em protesto contra a demissão do ex-ministro da Defesa Fernando Azevedo e Silva, e principalmente contra a insistência de Bolsonaro em sugerir que seus arroubos autoritários têm o respaldo do “seu” Exército, da “sua” Marinha, da “sua” Aeronáutica.

A saída dos três comandantes não significa que Bolsonaro ganhou o controle das Forças Armadas. Pelo contrário. Ficou escancarado que o presidente goza de apoio limitado nas três forças. Sabemos agora que o ele poderá contar com a obediência dos militares até o exato limite de seus poderes constitucionais, e nem um milímetro além disso.

Isso transforma generais, almirantes e tenentes-brigadeiros em heróis? Não creio. Mostra apenas que eles entendem o valor da democracia e a necessidade de obedecer a Constituição. Como você e eu.

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PS: O deputado federal bolsonarista Major Vitor Hugo (PSL-GO) tentou disfarçar um rotweiller de lulu da pomerânia. Ele sugeriu aos líderes do Congresso a criação de uma certa  “mobilização nacional em crises saitárias”. Com ela, Bolsonaro poderia passar por cima das determinações de governadores e prefeitos, e ganharia alguns poderes semelhantes aos conferidos pelo estado de sítio ao chefe do Executivo. Por exemplo, autorização para interferir nas empresas e serviços públicos, e também requisitar bens de particulares para uso da União. Ninguém topou. O deputado ficou chateado com as críticas que recebeu. Disse que tinha boas intenções. As boas intenções do bolsonarismo são sempre golpistas.