O ditador Josef Stalin governou a União Soviética durante 33 anos. Ao longo de boa parte do período, promoveu expurgos de intelectuais e vinganças de aliados, condenou à miséria e mandou executar milhões de cidadãos — entre 10 e 11 milhões, segundo os historiadores. Seu governo é tido como o mais sanguinários da história. Mesmo assim, contava com admiradores que o chamavam “O Pai dos Povos”. Em 1º de março de 1953, o mito vivo se engasgou em seus aposentos e se estatelou ao chão devido a um derrame. Morreu quatro dias depois, aos 74 anos. Seguiu-se um funeral suntuoso. Uma multidão invadiu o velório e centenas de pessoas morreram pisoteadas.

Eis aí o pano de fundo histórico da comédia “A Morte de Stalin”, dirigida pelo escocês Armando Iannucci, em cartaz no Brasil. A história não fornece material para provocar risadas, aparentemente. Mas o filme alcançou reconhecimento internacional como um dos longas-metragens mais hilariantes da década, com uma média de 90 pontos nos sites agregadores de críticas Metacritic e Rotten Tomatoes. A produção franco-britânica foi exibida em setembro de 2017 no Festival de Toronto e aclamada pela crítica.

VELÓRIO O funeral de Stalin, com Kruschev, a soprano Maria Yudina (Olga Kurylenko) e Beria; à dir. as múmias de Stalin e de Lênin: culto ao poder

O roteiro satiriza a luta pelo poder que se dá entre o derrame e o enterro de Stalin. Ele se baseia em dois romances gráficos dos quadrinistas franceses Fabien Nury e Thierry Robin, lançados em 2010 e 2012 e publicados no Brasil em 2017. Segundo os autores e o diretor, a trama guarda traços de ficção histórica, mas valoriza a fidelidade aos documentos. Este detalhe torna a trama inacreditável e ultrajante como só a realidade pode ser. Tanto assim que o governo russo proibiu a exibição do filme, programado para estrear em Moscou na festa de 75 anos da Batalha de Stalingrado. Segundo a justificativa do boletim do Ministério da Cultura russo em 23 de janeiro, “o filme ridiculariza nossos símbolos históricos — o hino soviético, ordens e medalhas —, além do que o Marechal Zhukov é retratado como um idiota”.

Divulgação

Clima de farsa

Gueorgui Zhukov é venerado pelos russos como herói da Batalha de Stalingrado. No filme, ele é interpretado pelo ator Jason Isaacs como um bufão de opereta, eufórico diante do corpo estendido de Stalin (Adrian McLoughlin) por julgar que ele já esteja morto. Mais ansioso ainda se mostra Lavrenti Beria (Simon Russel Beale), o chefe da polícia secreta e executor sádico das ordens de Stalin. Eles são contidos pelo secretário regional do Partido Comunista Nikita Kruschev (o americano Steve Buscemi), e pelo ministro Viatcheslav Molotov (Michael Palin; ele mesmo, comediante da trupe Monty Python).

Os dois tentam salvar a vida do líder, mas não encontram médicos competentes para socorrê-lo. Isso porque todos os grandes médicos tinham sido mortos ou enviados aos gulags. Eliminando a violência até então vigente, a dupla se esforça por “desestalinizar”, o que se realiza em seguida, com a subida ao poder de Kruschev.O clima de farsa se amplia pelo fato de o filme ser falado em inglês britânico e ter sido rodado em Londres e Oxfordshire, com poucas tomadas em Kiev e Moscou. “Tentei criar uma tragicomédia, pois comédia e tragédia andam juntas na vida real”, diz Iannucci. “A intenção foi fazer um filme divertido e ao mesmo tempo irritante.” O diretor cumpriu a missão: depois de “A Morte de Stalin”, não é fácil levar a sério nem o stalinismo nem a sua múmia.