“Como muitas empresas independentes, estamos buscando um caminho para sobreviver” Sylvia Whitman, dona da Shakespeare and Company (Crédito:Divulgação)

A livraria mais famosa do mundo fica no coração de Paris — por enquanto. Isso porque a Shakespeare and Company fez no dia primeiro um pedido inusitado aos seus clientes: “Comprem livros ou fecharemos as portas”. A mensagem, enviada por ninguém menos que a proprietária Sylvia Whitman, surpreendeu por não ser um simples golpe de marketing e apresentar a realidade nua e crua do setor. Se antes da pandemia o modelo de negócio já estava em crise, com as portas fechadas e a baixa circulação de pedestres, até os endereços mais icônicos e charmosos da literatura anunciaram o perigo. O resultado é uma discussão global: as livrarias fazem parte do “serviço essencial” ao cidadão durante uma crise sanitária? A prefeita de Paris, Anne Hidalgo, disse que sim e foi mais longe. Pediu à população para que não comprasse livros na Amazon e valorizasse as livrarias alternativas da cidade.

Apesar da atenção recebida, ainda é cedo para cravar um final feliz ao pequeno – mas poderoso – endereço na margem esquerda do Rio Sena. Com vendas em queda, a livraria de língua inglesa que leva o nome de William Shakespeare é tão relevante quanto o museu do Louvre ou a Torre Eiffel, por exemplo. O local faz parte da vida de escritores renomados há mais de um século e, por isso, a grande repercussão do pedido de socorro. “Como muitas empresas independentes, estamos lutando, buscando um caminho para sobreviver nesse momento em que operamos com prejuízo”, informou Sylvia Whitman, em um email enviado aos clientes. Fundada em novembro de 1919, a Shakespeare and Company ganhou fama inicialmente entre os escritores ao abrigar o lançamento de “Ulysses”, obra máxima de James Joyce, em 1922. Foi a partir daí que o local virou motivo de peregrinação entre os amantes das letras.

SÃO PAULO Em recuperação judicial, a Livraria Cultura diminuiu de tamanho e perdeu parte do seu velho charme: queda nas compras presenciais (Crédito:Divulgação)

A crise do setor é generalizada e se manifesta em vários países. Para o presidente da Associação Nacional de Livrarias (ANL), Bernardo Gurbanov, um dos problemas é a compra de livros pela internet, que vem substituindo o comércio presencial. “Ir a uma livraria é como ir a um bom restaurante em vez de comer em casa”, diz. Ele lembra ainda da semelhança da livraria parisiense com a Livraria Cultura, cuja loja na Avenida Paulista é um ponto turístico de São Paulo. Em recuperação judicial, a Cultura também possui um futuro incerto. “O contato do leitor com o livreiro é muito importante e as novas gerações já não têm muito interesse nisso“, explica Gurbanov. Para ele, o segredo da Shakespeare and Company é a “bagunça organizada” dos livros. É preciso estar presente para encontrar, acidentalmente, um bom exemplar. Em Nova York, quem está com o futuro ameaçado é a Strand Book Store, fundada em 1927 e um cartão postal da cidade. Assim como a Shakespeare e a Cultura, a Strand, uma das maiores livrarias de livros novos e usados do planeta, corre o risco de sumir do mapa. A Strand é um dos locais que definem a imagem clássica do negócio livreiro: iluminação controlada, chão de madeira e ares de biblioteca. Mas sua clientela diminuiu drasticamente.

NOVA YORK A Strand é um dos locais que definem a imagem clássica das livrarias: iluminação controlada, chão de madeira e ares de biblioteca (Crédito:Divulgação)

Reação imediata

Para sobreviver, as livrarias estão tratando de apelar para a criatividade. Em Paris, o pedido de socorro teve efeito imediato e a Shakespeare and Company foi obrigada até a suspender temporariamente as vendas. A procura pelo seu clube de assinaturas, chamado “Amigos da Shakespeare and Company”, no qual o leitor recebe, por um preço fixo, livros exclusivos, carimbados e cuidadosamente embalados, chamou a atenção do público. Apesar de prática antiga, o novo clube promete entregar livros em qualquer lugar do mundo. Quando procurada no Google, a Strand manda um alerta: apóie o nosso negócio e compre um “gift card”. É uma espécie de grito de socorro.

Outra questão que vai além do comércio está na formação de novos leitores, algo mais difícil na era das redes sociais. “Uma educação de qualidade será a grande responsável pela mudança da situação que as livrarias físicas enfrentam”, afirma Gurbanov, referindo-se ao caso brasileiro. Na Shakespeare e na Strand, porém, o problema vai além da educação de qualidade e revela uma mudança cultural profunda, que mostra a queda do prestígio do livro como objeto de consumo. A praticidade da compra remota e os livros digitais tornaram as visitas às livrarias cada vez mais eventuais. E muitos clientes simplesmente desapareceram.