O que se viu nos últimos dias em termos de ataques discriminatórios, criminosos, beirando o insano, não encontra paralelo na história do País. Bolsonaristas alucinados, inconformados com os resultados das urnas, partiram para um grau de violência e retaliação aos opositores inconcebíveis. Foram diversos os momentos de terror ideológico em uma onda que, caso não tenha uma resposta veemente por parte da Justiça, tenderá a se expandir barbaramente. O que está acontecendo? Verdadeiras milícias fascistoides tomaram conta, com alguns delinquentes indo às vias de fato da forma mais covarde possível. Não lançaram meras ameaças. Foram direto aos atentados de fato. Três homens na faixa dos 40 anos atacaram um ônibus escolar com meninas e meninos de menos de dez anos e passaram a bater nelas e neles por estarem brincando de exibir com os dedos a letra L, pela janela, aos transeuntes. Atitude inclassificável a do trio de incomodados, cujas cenas de selvageria que protagonizaram, circulando em diversos vídeos pelas redes sociais, não deixam margem a dúvidas. Um menino de apenas sete anos chegou a ser estrangulado numa vendinha quando, acompanhado pela mãe, foi indagado por um cliente dali se ele preferia Bolsonaro. Ao responder Lula, sofreu a agressão diante do olhar incrédulo da mãe e de mais alguns presentes. O garoto segue traumatizado, acordando à noite com pesadelos, gritando que não consegue respirar, segundo relatos dessa mãe, naturalmente também destroçada pelo episódio. Uma menina, de apenas cinco anos, foi alvejada e morta no interior de Minas Gerais por um sujeito bêbado que invadiu uma festa privada de comemoração à vitória de Lula, em que ela estava, e saiu atirando a esmo. Na ocasião, o homem portava duas pistolas, facas e 15 munições de alto calibre, talvez imaginando-se um Rambo, paladino da justiça, disposto a resolver suas frustrações e recalques políticos como em um faroeste. A banalidade absoluta do mal parece estar em vigor. Bandidos travestidos de vingadores de araque da pátria entraram em campo. No Sul do País, a situação nesse sentido assume ares de descontrole. Em uma cidade do interior de Santa Catarina, numa espécie de caça implacável a culpados, resgatando padrões abomináveis do comportamento típico do período nazifascista, grupos organizados passaram a sugerir que lojas, casas e outros estabelecimentos comerciais de pessoas que votaram no demiurgo de Garanhuns passassem a exibir na porta a estrela vermelha do PT – modelo de coação semelhante chegou a ser adotado contra judeus nos anos inomináveis da era hitlerista. Patrões de inúmeras empresas, majoritariamente com base operacional na região Sul e Sudeste, também já haviam sido flagrados exigindo que seus funcionários votassem no agora derrotado presidente Jair Bolsonaro, sob pena de demissão. Para ficar mais denso, o movimento passou a defender, logo a seguir, algo como um boicote aos nordestinos, com produtores deixando de enviar encomendas para aquelas localidades nas quais o apoio decisivo havia sido dado a Lula. Esse inacreditável apartheid de posições, que parece dividir Sul e Norte como dois Brasis distintos, reforça com tais episódios a impressão de que a intolerância subiu mais um degrau, alcançando o nível máximo na escalada de loucuras e barbárie. A bandidagem está prevalecendo e há de se perguntar aonde estão a polícia, o Ministério Público e mesmo os organismos de proteção ao menor para responder no rigor da Lei, punindo esse tipo de gente. Nos últimos quatro anos de uma gestão federal desastrosa, o ódio disseminado e as ações de perseguição a oponentes viraram tônica, com os fanáticos do capitão alimentando um tipo de revanchismo demente. Os eventos de caos e diatribes ameaçadoras retroalimentam o clima de transe demoníaca em hordas de seguidores que entraram em modo de negação radical. Eles professam o extremismo, ocupando portas de quartéis, fechando ruas e estradas e promovendo a baderna pura e simples. Não podem passar despercebidos pelas autoridades competentes. Há cenas patéticas, de fato, dignas de comédia pastelão. Mas os registros de casos que colocam em risco a vida do próximo por motivações políticas crescem perigosamente, tomando espaço. Como mostram a literatura e estudos variados, a pirâmide da cólera tem um roteiro de evolução bem definido. Ela começa a ser erigida justamente por meio do preconceito generalizado, partindo depois para a discriminação, a supressão de direitos e, finalmente, as ameaças de morte. A transição das etapas ocorre de maneira tão rápida que, muitas vezes, é possível nem perceber. Não há como baixar a guarda nesse aspecto. Quando algumas pessoas, afrontosamente, são capazes de sugerir que “petistas”, numa menção pejorativa usual, coloquem adesivos com a estrela vermelha na porta de seus negócios para identificar a preferência partidária ou partem para confrontos a tiros, mesmo contra a polícia, estamos diante de uma perigosa avalanche antidemocrática que irá, fatalmente, exterminar o direito coletivo, ainda em voga no País.