Quando a ideologia suplanta o bem comum, o resultado é o atraso. Nas últimas duas semanas, o Ministério da Educação anunciou mais duas medidas guiadas não pelas boas regras de gestão, mas, sim, pela visão retrógrada de sociedade concebida pelo governo de Jair Bolsonaro. O alvo, dessa vez, foram as universidades, por essência locais onde deve imperar o livre pensamento e a troca de ideias sem qualquer risco de represálias a quem não estiver alinhado com a ideologia do governo de plantão.

Na segunda-feira 29, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, divulgou que reduziria em 30% as verbas orçamentárias de universidades que estivessem produzindo “balbúrdia” e apresentassem baixa performance acadêmica. Apontou a Universidade de Brasília (UnB), a Universidade Federal Fluminense (UFF) e a Universidade Federal da Bahia (UFBA) como três das instituições presentes nesses critérios. No dia seguinte, estendeu a redução orçamentária a todas as universidades federais. Na semana anterior, Weintraub e Bolsonaro haviam informado que cortariam recursos destinados aos cursos de Filosofia e de Sociologia para investir em áreas que, segundo os dois, apresentam maior retorno à sociedade. Entre elas, veterinária e engenharia.

Falta de informação

As duas medidas deixam claro dois pontos. O primeiro: a administração Bolsonaro continua obcecada em combater o que chama de “marxismo cultural”, teoria segundo a qual a esquerda dominaria as instituições escolares de forma a imbuir nos estudantes o repúdio ao conservadorismo. O segundo: o governo permanece desinformado a respeito da situação da educação no Brasil.

Quando afirmou que diminuiria os gastos com universidades que fizessem “balbúrdia”, o ministro Weintraub deu como exemplo “a presença de sem-terra e gente pelada dentro dos campus.” Ao que se saiba, ambas as circunstâncias não fazem parte da vida universitária. Depois, também não é verdade que as instituições citadas como exemplo apresentem desempenho ruim. A UnB, por exemplo, ocupa o 16o lugar no ranking das melhores universidades da América Latina feito pela publicação inglesa “Times Higher Education”, uma das mais respeitadas da área. Na mesma lista, a UFBA passou da 71a posição para a 30a no ano passado.

Em relação às Ciências Humanas, os dois cursos mencionados possuem apenas 2% do total de estudantes nas federais, consumindo proporcionalmente muito menos recursos dos que as áreas de Biológicas e de Exatas. Na esfera da pós-graduação, apenas 1,4% dos gastos do CNPQ, agência federal de fomento à pesquisa, são dirigidos à Filosofia e à Sociologia. Portanto, não se sustenta o argumento de que tais cursos seriam custosos e melhor uso teria o dinheiro bancando outros campos de estudo. A única razão para o posicionamento de Bolsonaro e de seu ministro é, novamente, a tentativa de desarticular o tal “marxismo cultural” que nortearia as duas áreas.

Pedro Ladeira/Folhapress

As reações aos anúncios do Ministério da Educação foram imediatas. O presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Universidades Federais, Reinaldo Centoducatte, considera que se o corte de 30% nas verbas de fato ocorrer, as instituições entrarão em colapso. “Será um caos”, disse. Na Câmara, o líder da oposição, Alessandro Molon (PSB-RJ), prometeu acionar o Supremo Tribunal Federal caso as medidas sigam adiante e as universidades de fato fiquem vulneráveis à represálias por causa de questões ideológicas.

As propostas de  Weintraub (foto), ministro  da Educação, ferem a Constituição, que garante  a livre circulação de ideias

Há problemas sérios no ensino superior brasileiro, como a dificuldade de acesso e as péssimas condições em que se encontra a maioria dos laboratórios de pesquisa. Essa realidade deixa a ciência brasileira na lanterna das principais linhas de pesquisas adotadas por universidades internacionais. O País está cansado de acompanhar casos de conquistas científicas nacionais feitas a custo de enorme esforço das equipes e muitas vezes até de dinheiro do próprio bolso dos cientistas. Esses são obstáculos reais ao avanço do conhecimento no Brasil. Devem ser superados com o uso de critérios racionais de gestão e não por meio da substituição de uma ideologia pela outra.