No mesmo dia em que o Brasil atingiu a trágica marca de 160 mil pessoas mortas pela pandemia do coronavírus, no domingo 1, véspera de Finados, o som alto de um show ao vivo marcava o clima festivo em uma mansão à beira-mar em Maresias, litoral norte de São Paulo. Sob o sol forte, centenas de convidados desfilavam trajes exuberantes e celebravam os 45 anos de Fábio Wajngarten, até então secretário-executivo do Ministério das Comunicações. Entre os convivas, vários ministros do governo Bolsonaro. Os mais animados, Fábio Faria (Comunicações) e Jorge Oliveira (Secretaria-Geral da Presidência), acompanhados por suas mulheres, dançavam e se divertiam na festa comandada pelo cantor sertanejo Zé Cassiano, que se apresentava em um palco armado no quintal da casa do publicitário.

Quatro dias depois da festa, Wajngarten subiu de posto dentro do Ministério das Comunicações: na quinta-feira 5, deixou a secretaria executiva e foi nomeado por Bolsonaro como secretário especial de Comunicação Social, com o apoio de Faria. O senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) foi outro que também esteve na comemoração, ao lado da mulher Fernanda. O filho 01 do presidente deixou a ilha de Fernando de Noronha, onde passaria o feriado com passagens pagas pelo Senado, em um jatinho particular, apenas para comemorar o aniversário do publicitário na praia paulista.

As cenas do evento foram registradas nas mídias sociais com riqueza de detalhes, a partir, sobretudo, das imagens postadas pelo músico no Instagram. Foi um show de irresponsabilidade: ninguém na casa de Wajngarten respeitou as regras de combate à pandemia, como o uso de máscaras e o distanciamento social. O publicitário aparece cantando “A moça do aeroporto”, uma das principais músicas de Zé Cassiano, acompanhado por Felipe Mello, jogador do Palmeiras e bolsonarista confesso, sem demonstrar qualquer preocupação. Wajngarten fez questão também de abraçar os convidados e registrar selfies, todo mundo sem máscaras. Os brindes que comemoravam o aniversário do publicitário pareciam esquecer a catástrofe sanitária que atinge o País, onde mais de 160 mil brasileiros já morreram em decorrência da pandemia.

Insensibilidade

Enquanto Wajngarten e seus comensais festejavam, menosprezando dores alheias de milhares de brasileiros, somente naquele final da tarde e início de noite de domingo, o Ministério da Saúde divulgava que 190 pessoas haviam perdido a vida no país devido à doença. Na sexta-feira, 30, enquanto o publicitário bolsonarista ainda organizava os detalhes da sinistra balada, os órgãos do governo apontavam que 508 pessoas haviam morrido em decorrência da doença em todo o país, mas nada disso o sensibilizou – ou a qualquer um dos convidados. Ao mesmo tempo em que a festa corria solta, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, voltava a ser internado em Brasília em decorrência de complicações da Covid. Pazuello chegou a ter alta, mas no domingo teve de voltar a dar entrada no Hospital das Forças Armadas em Brasília, Distrito Federal, para continuar o tratamento contra a doença. Ele só deixou o hospital na terça-feira, 3.

Há pouco mais de sete meses, o próprio organizador da festa esteve internado em um hospital de São Paulo, vítima da Covid-19. Talvez por isso tenha se sentido imune à uma eventual contaminação, assim como os ministros Fábio Faria e Jorge Oliveira, que também já foram infectados. Os demais convidados, no entanto, certamente não estavam à salvo – pelo menos não como imaginavam.

Wajngarten foi contaminado após uma viagem aos Estados Unidos, em março, onde Bolsonaro manteve encontros com o presidente Donald Trump. Após a viagem à Flórida, 23 auxiliares do presidente brasileiro foram acometidos pelo vírus.

A balada da insensatez repercutiu em Brasília. “Comemorando o quê? Os mortos da pandemia? É lamentável o mau exemplo que os governantes dão ao país. É impressionante quanto eles não conseguem respeitar a dor do povo”, criticou a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), que é médica. O desrespeito aos riscos de contaminação tem sido disseminado para além das festas nababescas, transformando o entorno presidencial em uma arena de irregularidades sanitárias. Nesse cenário, Wajngarten se empenha em ganhar protagonismo. Foi o que ocorreu, por exemplo, na tarde da última terça-feira 3, quando o publicitário participou de uma reunião com o chefe Fábio Faria e os ministros Tarcísio Freitas (Infraestrutura) e Ricardo Salles (Meio Ambiente), além do presidente Bolsonaro. Nenhum deles usou máscaras ou demonstrou qualquer preocupação com a tragédia que atinge o País. O negacionismo é uma das marcas registradas de um governo que prefere não acreditar na gravidade da pandemia.

A festa dos aloprados