Como está sua quarentena? Mudou muita coisa ou você e o Roberto sempre levaram uma vida mais caseira?
Desde que abandonamos o palco, há oito anos, Rob e eu moramos em uma casinha no meio do mato, cercados de bichos e plantas. Pagamos para não sair de casa, portanto o confinamento não nos afetou muito, a não ser a saudade de abraçar nossos filhos, netos e amigos.

Você acha que a pandemia pode gerar algo de positivo?
Acredito que há um propósito divino por trás dessa pandemia. Ela veio para chacoalhar a consciência da raça humana das destruições que ela tem feito ao planeta Terra e a si própria.

Seu último álbum, “Reza”, de 2012, foi um sucesso. Alguma novidade na área musical?
Entre os projetos que temos para o pós-guerra estão planos para gravar músicas inéditas que viemos colecionando ao longo desses oito anos sem sair da toca. Temos um estúdio na garagem, quem sabe, se
a preguiça deixar, daremos umas passadinhas por lá.

Seu pai distribuía “Lança Perfume” quando o Corinthians ganhava, você nem sabia o uso que se fazia no carnaval. Esse ano se comemora os 40 anos desse sucesso. O que ele representa para você?
“Lança Perfume” é um “rockarnaval” que insinua sexualidade, mas também convida para uma celebração da vida. E ainda te puxa para soltar a franga da alegria.

Você sempre gostou de “parafernália eletrônica”. Você acha que a tecnologia aproxima ou afasta as pessoas?
Nesses tempos de confinamento, a parafernália eletrônica das redes virtuais tem sido um novo tipo de entretenimento bem-vindo. Elas providenciam um quentinho na alma de quem está prisioneiro nessa Primeira Guerra Global.

“Tenho mais prazer em escrever que em fazer música. Tenho um livro de 200 páginas que já escrevi, mas não sei se vou lançá-lo”

Sua geração pregava o amor livre e lutava por independência, mas você e o Roberto parecem ter um relacionamento “à moda antiga”. O que é essencial?
Rob e eu estamos juntos há 43 anos parindo músicas e filhos, trabalhamos pra cacete por esse mundo a fora, fizemos zilhões de turnês sem nunca termos recebido qualquer incentivo cultural nem subido em palanques
de políticos. Isso nos deu uma cumplicidade de amor, criatividade e independência.

Você é avó de uma adolescente. Você olha para ela e pensa: “eu já fui assim”? Como é Rita Lee avó? Imagino que deve ser muito legal ter você como avó…
Posso dizer que aprendo muito mais com a Ziza (Izabella, neta de Rita, hoje com 14 anos) do que ela comigo. Meu neto Arthur, de três anos, é o menino mais alto astral que já conheci. Como avó sou uma mistura de dona Benta com Dercy Gonçalves.

Você já falou abertamente sobre o consumo de drogas. Como trata esse assunto com seus netos?
Hoje em dia todas as informações sobre drogas estão acessíveis em qualquer lugar, para quem se interessar. Sou uma enciclopédia “dinossáurica” de drogas, não conheço as “modernosas”, nem nunca experimentei. Estou limpa há 15 anos.

Seu pai queria que você fosse dentista, sua mãe queria que você fosse freira… Seu filho Beto é guitarrista dos Titãs, Antônio é artista plástico e João é produtor de música eletrônica. O que sentiu quando viu que todos iam seguir a carreira artística?
Por meus filhos terem convivido desde pequenos com parafernálias eletrônicas foi natural para eles terem um pé na música e também em outras modalidades da arte. Cada um escolheu seu próprio modo de se expressar.

Sua autobiografia foi um sucesso de público e crítica. Foi pela sinceridade, as histórias ou o bom humor?
O que posso dizer é que, para mim, foi uma grande terapia. Exorcizei os meus traumas e dei mais valor às minhas próprias conquistas.

Em 2019, você lançou “Amiga Ursa – Uma História Triste, Mas Com Final Feliz” e está reeditando a coleção do Dr. Alex. Foi mais legal escrever sua história real ou os livros infantis?
Sempre tive e ainda tenho caderninhos espalhados pela casa. De repente sinto vontade de escrever letras de música, textos nonsense, contos, etc. Tenho tido mais prazer em escrever que em fazer música. Tenho um livro de 200 páginas quejá escrevi, mas ainda não sei se vou lançar. Estou escrevendo um outro sobre o que se passa pela minha cabeça, esse sentimento de que ainda estou viva durante essa Primeira Guerra Mundial do coronavírus. E estou tendo um prazer muito grande em escrever para crianças ensinando a respeitarem bichos.

Em relação ao governo brasileiro, há retrocessos na cultura e no meio ambiente. Qual te preocupa mais? Falar sobre qualquer assunto político (e são todos catastróficos) que está acontecendo no Brasil me causa enjoo. Não vou falar sobre isso porque quero manter minha saúde física, mental, psicológica e espiritual.

Você vê surgindo alguma liderança política interessante?
Fico assustada de ver como na classe política só tem gente feia. Por fora e por dentro.

O deboche ainda é uma arma válida no Brasil? Ou a ignorância que tomou conta do País sequer entende o deboche ou a ironia?
Debochar continua sendo uma boa estratégia para sair do baixo astral.

Com o passar do tempo, as pessoas desenvolvem uma ligação com a religião. Como você encara isso?
Estamos apenas de passagem pelo planeta Terra. A raça humana é uma experiência individual. Não somos a única vida do universo, nossos irmãos das estrelas nos observam.

NADA DE POLÍTICA Rita Lee não fala sobre o assunto: “quero manter minha saúde mental e espiritual”

Você já disse que frequentou muito a igreja, mas que sempre teveque conviver com a culpa que o cristianismo nos impõe. Já superou?
Eu fui criada na igreja católica, então haja culpa para superar…

O que acha do caminho que a religião tomou ao longo dos últimos anos?
Resumindo: religião e política são o anticristo da humanidade.Qual é a fase da sua vida que você gostaria de relembrar, mas que é difícil recordar bem dos detalhes?Não sou saudosista. O que eu vivi, passou. Minha máquina do tempo só tem o vetor para o futuro.

“Nossa família tem muitos projetos na manga. No mundo pós-pandemia, vamos oferecer o que sempre fizemos: levar alegria e divertimento ao povo”

Em uma entrevista, você disse que na primeira vez que ouviu “Ovelha Negra” tocando no alto-falante de um supermercado ficou com inveja da cantora. O que quis dizer com isso?
Bem… que eu minto muito em entrevistas (risos).

Você fechou acordo para fazer um filme, uma série e um documentário inspirados em sua autobiografia. Em que pé estão essas produções?
Nossa família tem muitos projetos na manga para quando a guerra acabar. Estamos aproveitando esse confinamento para aprimorá-los eoferecer ao mundo pós-pandemia o que sempre fizemos: levar alegria e divertimento ao povo.

Você já disse que o “maior luxo da vida é dar amor aos bichos e ter uma horta”. Não tem nada material que você valorize? Uma guitarra nova? Uma mansão à beira-mar?
Queria um cortador de grama tipo “The Jetsons”.

Aos 72 anos, você passou por muitas histórias, tem uma carreira de sucesso, uma família amorosa. O que você aprendeu com o tempo?
Que ficar velha não é para fracos.

“Leenha” do tempo