Da urna sai um insofismável e eloquente alerta: radicais vêm sendo refutados, enquanto liberais de centro, que pregam a gestão responsável e equilibrada, estão sendo consagrados. Na maré de apoio a candidatos de fora dos polos ensandecidos se sobressai a derrota acachapante do bolsonarismo. Não restou nada que movia o voto de protesto de outrora, onde petistas e bolsonaristas mediam forças no limite das vias de fato. Ambos tomaram um sonoro não, na maioria dos casos. Toco neles! A boa política, alimentada pelo anseio da sensatez administrativa, experimenta algum resgate. A antiga rinha dos extremos tende ao ostracismo, jogada de volta às calendas. O desastre eleitoral do capitão Messias se reflete, de maneira direta em fatos e números. Tome-se, por exemplo, a pitoresca circunstância de incríveis 78 candidatos autobatizados com o sobrenome Bolsonaro sentirem o gosto amargo do fracasso. Apenas um deles chegou lá — logo o rebento Carlos Bolsonaro, o Carluxo zero dois — e, ainda assim, com 30% a menos de votos que na primeira tentativa em 2016. Carluxo diminuiu de tamanho, refletindo o pé frio de papai como cabo eleitoral, mas não foi caso único na família. A ex-mulher do patriarca, também candidatíssima sem êxito, amargou minguados dois mil votos e restou desclassificada na rabeira da corrida. E o que dizer da dileta “Val do Açaí”, aquela laranja da família, que também encarregou-se de tascar Bolsonaro no sobrenome, fez live ao vivo com o capitão, ganhou confetes e purpurinas do clã, e arrebatou ridículos 200 votos? A bolsonarista ferrenha, Carla Zambelli, entuchou pai, irmão e cunhada na corrida, para ver se arrancava mais umas boquinhas no esquemão do salário público e não conseguiu emplacar nenhum dos três. Mesmo a primeira dama, Michelle Bolsonaro, que se engajou na campanha ativa para quatro apadrinhados à Câmara dos Vereadores não logrou êxito. Virou um quarteto de derrotados a mais na cota dos agregados de Messias, sem quórum suficiente para o olimpo da camarilha parlamentar. Alguma dúvida de que o sobrenome transformou-se em mantra maldito? Não tenha. Nem o guru da Virgínia, espécie de alterego do “Mito”, acalenta esperança.

Olavo de Carvalho disse, com todas as letras, nas redes sociais, que o presidente foi um “incapaz” na ajuda aos escolhidos. Bolsonaro, na tática errática do “eu sozinho”, sem filiação partidária, jogando as fichas em lives mequetrefes que viraram, como ele disse, um “horário eleitoral gratuito” e especial, à revelia da lei, em um sobranceiro atrevimento aos demais poderes, não foi além da humilhação pública e generalizada. Bom que se diga, um chefe da Nação sem partido é aberração que não se verifica desde a retomada da democracia em 1985. A sova nas urnas ao bolsonarismo – que parece ensaiar um declínio gradativo – reporta também o claro nascimento de uma oposição mais consciente, menos irascível e beligerante, carregada no lombo das camadas jovens da população. Não se pode desconsiderar o fenômeno. Há um esgotamento, certo cansaço até, desse público, com a rixa desmiolada e sem nexo dos salvadores da pátria, redentores loroteiros que tentam levar na garganta. O País parece não estar mais condenado a oscilar entre o fisiologismo caquético dos coronéis do Centrão e o messianismo engabelador, que beira o fanatismo, das hordas de seguidores do capitão. Ficou, ao menos temporariamente, congelado o protagonismo dessas correntes. E ainda bem, em prol do Brasil, que seja assim! É fato: a direita perdeu muito concentrando a torcida em um player aloprado como Messias Bolsonaro. Bastaram dois anos para a reputação de alternativa saneadora correr pelo ralo. Era cascata. A opção progressista e realmente renovadora não pode ser lotada na ignorância. Ao contrário. E muitos adeptos de primeira hora começaram a perceber o rotundo erro. Os militares, por exemplo. Iniciaram o desembarque. Por mais que se negue, eles não estão mais fechados com Messias, indiferentes e coniventes com as suas barbeiragens. De modo igual, diversos setores empresariais, religiosos, hostes habitualmente bolsonaristas, passaram a sussurrar pregações, nada enigmáticas, de volta ao diálogo.

Apenas Bolsonaro e alguns poucos insensatos da banda da baderna cega ainda vociferam contra as evidências. Aderiram agora ao discurso da fraude, com uma certeza típica de lunáticos, para tentar desacreditar instituições e autoridades. Em vão. Suas narrativas fabulosas beiram o ridículo e propagam uma proposta distópica como estratagema para tumultuar a cena. O presidente, em pessoa, lidera a ladainha. Defende o retorno ao voto no papel como uma espécie de cloroquina eleitoral. Ambas, notadamente, sem eficácia. O Brasil usa a urna eletrônica há 20 anos e nessas duas décadas não há sequer menção de fraude ou gambiarra. Claro que o modelo, beirando o infalível, não interessa, nem atende, aos propósitos velados do capitão. Ele prefere o papelzinho para que suas milícias tenham alguma chance, quem sabe, de manipular o resultado. Certamente, o que tira o sono presidencial não são os aspectos técnicos envolvidos. Ele patrocina asneiras e conversa fiada para agitar, montar cortinas de fumaça que possam esconder a derrota iminente. No caso das disputas municipais, buscou primeiro dissociar o mau desempenho dos fundamentos que irão reger as eleições majoritárias de 2022. Depois de constatado o recado da urna, procura rasgar a cartilha — ou, melhor, desligar os aparelhos — para não enxergar o óbvio. Decerto, tal qual ocorreu com o seu mentor, Donald Trump, de nada adiantarão os pitis do mandatário.O ataque farsesco à urna eletrônica faz parte de uma ópera-bufa que funciona apenas no seu mundo da fantasia. A negação da política, que havia virado moda, caiu em desuso. O capitão que prometia não apoiar candidatos, mudou de tática, pediu votos, depois esperneou diante de resultados incontestáveis, terá, daqui pela frente, de rever procedimentos na prática do governo. Ninguém finge mais ou considera normais as falas e atos tresloucados do endiabrado Bolsonaro. A vontade do eleitor, mais uma vez, prevaleceu. A democracia vai sendo exercida na plenitude e, na autópsia do voto, o recado contra tudo que vinha sendo feito nos tempos recentes mostrou-se por inteiro. Que perdedores, padrinhos e apaniguados aprendam as lições do desastre pessoal e que Messias, mesmo sozinho, faça uma autocrítica dos descaminhos. Não é com a antipolítica que chegará lá de novo. Os “maricas” lhe deram uma dura estocada, com pólvora e tudo, para ver se ele se ajeita. O referendo de 2022 é logo ali, falta pouco e como gestor autoritário ele parece estar rifando a própria sorte.