Até o começo de 1985, a grande história sobre a Caverna do Unicórnio, na Alemanha, era que, ao longo de séculos, homens e mulheres chegaram ali em busca de ossos milenares com os quais fabricavam remédios. Eles acreditavam se tratar dos restos mortais de seres lendários, como dragões e unicórnios, cujos poderes mágicos permitiriam curar diversas doenças. Os relatos levaram ao local até mesmo grandes nomes da intelectualidade alemã, como o filósofo Gottfried Leibniz e o escritor Johann Goethe, embora, naqueles tempos, já se soubesse que os ossos eram, na verdade, fósseis de mamíferos que habitaram a região milhões de anos antes. Na metade dos anos 1980, porém, uma série de escavações confirmou uma suposição diferente: a de que ali também havia vivido o Homo neanderthalensis, o Neandertal, que conviveu com nossa espécie, Homo sapiens.

Uma nova descoberta, publicada em um artigo nesta semana na prestigiada revista científica Nature, porém, deve mudar outra vez o relato histórico sobre a caverna — e sobre o conhecimento que se tem sobre o ser humano. Confirmou-se que o Neandertal também se expressava simbolicamente. O argumento se baseia na falange de um cervo gigante encontrada por pesquisadores dentro da caverna em 2019. Na época, eles perceberam que o osso possuía marcas esculpidas intencionalmente, semelhantes às produzidas pelos primeiros Homo sapiens. Faltava descobrir apenas a idade da peça.

EXPRESSÃO Osso de cervo esculpido é prova de expressão simbólica Neandertal (Crédito:Divulgação)

Desde então, um grupo de 13 pesquisadores de diversas universidades alemãs analisou a falange datando a quantidade de carbono que ainda havia nela. O resultado, divulgado agora, foi surpreendente: tratava-se de um osso de 51 mil anos, 10 mil anos antes de o Homo sapiens chegar à Europa Central e começar o processo de extinção do Neandertal. O achado corrobora a ideia de que a espécie anterior à nossa no continente europeu também produzia arte.

“Nós já sabíamos que o Neandertal sepultava mortos, produzia armas e tinha capacidade social. Essa descoberta representa mais um passo para entender que ele também tinha um pensamento artístico, simbólico e abstrato”, analisa a antrópologa Fernanda Neubauer, da Universidade de Wisconsin-Madison (EUA).A dúvida que persiste, porém, é se o Neandertal aprendeu a se expressar simbolicamente com o Homo sapiens. Mas, segundo os autores do artigo, essa parece ser uma “hipótese improvável”.