O governo Bolsonaro realizou uma manobra para conseguir sancionar o projeto da Lei Orçamentária de 2021 sem desapontar os aliados no Congresso no momento em que o ex-capitão se vê nas cordas, prestes a ser responsabilizado na CPI da Covid. No acordão com o Centrão, o mandatário cedeu à pressão dos parlamentares e se comprometeu a preservar os R$ 18,5 bilhões previstos em emendas dentro da proposta manipulada pelos congressistas. Para conseguir bancar essa quantia de emendas, que serão usadas em obras eleitoreiras, o governo vai fazer cortes em custeio e até mesmo em investimentos. Ao fim e ao cabo, a previsão é que o Orçamento estoure em R$ 125 bilhões a meta do teto de gastos, deixando o Brasil vulnerável diante da crise fiscal. O Centrão continua operando as contas públicas sem pudor: a prioridade é a reeleição.

Esse acerto vergonhoso entre Bolsonaro e o Legislativo passou pela aprovação de um outro projeto de lei que prevê mudanças da proposta orçamentária. O texto, com relatoria do deputado Efraim Filho (DEM-PB), foi aprovado pela Câmara e pelo Senado na segunda-feira, 19, e acatou uma emenda feita pelo senador Rogério Carvalho (PT-SE). Ele retirou da meta fiscal despesas relativas ao combate à pandemia e seus impactos na economia, como o custeio do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe) e do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego (BEm), além dos gastos de R$ 44 bilhões com o auxílio emergencial. Essa foi a pedra de toque que ajudou Bolsonaro a sancionar o Orçamento nesta quinta-feira, 22, e abriu espaço na peça orçamentária para acomodar todas as emendas parlamentares, sem desrespeitar os acordos com Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, feitos durante as costuras para suas eleições para a presidência da Câmara e do Senado, respectivamente.

A CARA DO FISIOLOGISMO Arthur Lira manipulou o Orçamento: vale-tudo eleitoral (Crédito:Michel Jesus/Câmara dos Deputados)

A proposta de lei orçamentária original foi aprovada em março e previa menos dinheiro do que o necessário para cobrir despesas obrigatórias, como gastos previdenciários estimados em R$ 17,5 bilhões, já que os recursos seriam usados para cobrir as emendas parlamentares calculadas em R$ 29 bilhões. Por conta disso, passou a ser chamada nos bastidores de “peça de ficção”. Caso sancionasse o Orçamento da forma como estava, Bolsonaro corria riscos de cometer pedaladas fiscais e crime de responsabilidade, os mesmos usados de argumento para o impeachment de Dilma Rousseff. Para não ter que deixar de fora despesas essenciais, os deputados aceitaram cortar as emendas em R$ 10 bilhões, reduzindo-as para R$ 18,5 bilhões. “Vão-se os anéis e ficam os dedos”, disse um parlamentar oposicionista.

Com a aprovação do projeto relatado por Efraim Filho, o governo contará agora com a liberação de R$ 9 bilhões extras para fazer o pagamento de despesas obrigatórias, incluindo o pagamento de contas de água e luz de ministérios. O relator retirou da meta de resultado primário créditos extraordinários direcionados às despesas com ações e serviços públicos de saúde, desde que tivessem relação com o enfrentamento da pandemia da Covid, como os R$ 22,3 bilhões destinados à compra de vacinas. Foram também excluídos da meta os gastos com o Pronampe (R$ 16 bilhões) e com o BEm (R$ 9,8 bilhões). Atualmente, a meta permite um déficit de R$ 247,1 bilhões e essas despesas extrateto evitarão o estouro formal do limite do teto de gastos. Em relação ao teto, essas despesas ficam de fora por serem financiadas via créditos extraordinários e devem ficar próximas dos R$ 132,5 bilhões. “Questionar o Orçamento na pandemia é injustificável”, disse Arthur Lira ao defender, com a maior cara-de-pau, a sanção presidencial da colcha de retalhos em que se transformou o Orçamento de 2021.

Essa jogada fiscal foi tratada como necessária pela equipe econômica, que vem sugerindo a necessidade de recomposição dessas rubricas diante de um Orçamento com despesas obrigatórias subestimadas. A manobra feita pelo ex-capitão e congressistas fisiológicos viraram alvo de críticas.“Essa emenda coloca fora do teto o Programa do BEm e o Ponampe para poder sancionar as emendas. É ou não é um orçamento criativo?”, disparou Rodrigo Maia (DEM-RJ), ex-presidente da Câmara.

O impasse em torno do Orçamento fez aumentar o nível de insatisfação de parlamentares e da ala política do governo com Paulo Guedes. O ministro da Economia havia afirmado a Bolsonaro que a versão do Orçamento aprovada em março era “inexequível” e poderia expor o presidente ao risco de um processo de impeachment. A partir daí, o ministro ficou sob pressão do Centrão e do fogo amigo de colegas da Esplanada que defendiam o aumento de gastos para a realização de obras públicas, lastreadas nas emendas parlamentares. Depois da manobra de última hora, Guedes mudou seu entendimento e tem dito agora a interlocutores que a proposta orçamentária é “exequível”.

Lambança orçamentária

Segundo assessores do Ministério da Economia, a avaliação do ministro é de que todos os acertos do grande acordão no Congresso foram contemplados no Orçamento e que o teto de gastos será respeitado para honrar as despesas recorrentes. O acerto entre o mandatário e o Legislativo também deve fazer com que a equipe econômica desista da edição de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para retirar programas das regras fiscais. Em conversas reservadas, o ministro da Economia não admite ser responsabilizado pela lambança na aprovação do Orçamento deste ano e joga a culpa nas costas do ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, e do senador Marcio Bittar (MDB-AC), relator da proposta original da lei orçamentária. Em ano pré-eleitoral vale tudo, inclusive manipular as contas públicas.