No Brasil, o processo de transição do regime militar para a democracia adquiriu formas absolutamente originais, sem qualquer paralelo com os países do Cone Sul. Vale destacar também que os governos desses países desenvolveram políticas que os distinguiram em relação ao Brasil, no mesmo momento histórico. Ou seja, não é possível jogar no mesmo saco — como se diz popularmente — regimes tão díspares. Não custa ressaltar que a marca ideológica da presença dos militares na cena política nacional, desde a Proclamação da República, foi o positivismo — e a referência prática, concreta, teve no castilhismo gaúcho a
sua matriz.

É de conhecimento geral que tivemos um longo processo de transição que teve início com a distensão, ainda na presidência Ernesto Geisel. Mas os passos mais ousados foram dados no governo Figueiredo. A aprovação da anistia, em agosto de 1979, foi um importante marco. Permitiu realizar a transição de uma forma mais rápida, eficaz e sem traumas.

De tempos em tempos é recolocada a questão de revogar a lei de anistia. O argumento é que crimes teriam de ser apurados e punidos. A leitura passa pela ação dos órgãos de repressão e pelas graves violações dos direitos humanos contra centenas de brasileiros. Isso é fato, não se discute. Porém, deve ser também analisada a atuação dos grupos terroristas que mataram muitos brasileiros em atentados, assaltos a bancos e nos “justiçamentos.” Se é para judicializar a história, isso deve ocorrer para os dois lados.

A questão central é que não tivemos, no momento adequado, quando da passagem do governo para os civis (1985), um processo que enfrentasse o passado recente de forma a construir valores democráticos. Um bom exemplo ocorreu na África do Sul com a criação, por Nélson Mandela, da Comissão Nacional da Verdade e da Reconciliação. Apresentar os fatos, discutí-los, ouvir as diferentes versões e a partir daí, com as lições da história, edificar uma sociedade democrática. Infelizmente, isso não ocorreu no Brasil. Ao invés de um Mandela, tivemos José Sarney, um presidente fraco e temeroso de enfrentar os dilemas da época.

Buscar em organismos internacionais uma muleta jurídica para revogar a lei de anistia poderá gerar ainda mais tensão política. É muito mais eficaz discutir abertamente aquele momento histórico. E demonstrar que a urna é o caminho das mudanças e não um pau-de-arara ou uma bomba.

Buscar em organismos internacionais uma muleta jurídica para revogar a lei de anistia poderá gerar ainda mais tensão política