O irrefreável pendor petista que marca essa terceira edição do governo Lula pode se converter, talvez, no maior percalço e grande revés de sua gestão. O presidente assumiu há pouco mais de um mês com ares de herói, após derrotar nas urnas a máquina de destruição democrática do adversário Bolsonaro, mas demonstra incorrer em pecados e descuidos do passado que podem lhe custar parte do capital político e do apoio necessários para as grandes mudanças que almeja e prometeu fazer. Para além dos ataques sistemáticos ao capitão – que não levam a nada, muito embora façam parte do jogo –, Lula resolveu tirar da cartola pautas arriscadas, de perigoso viés ideológico, que soam anacrônicas nos tempos atuais. A ideia, por exemplo, de financiamento, via BNDES, aos países parceiros da causa da esquerda que, em tempos não tão remotos, aplicaram calotes homéricos ao Brasil e seguem inadimplentes, esperando agora receber novos aportes para seus projetos impagáveis. Não há nada de técnico nessas escolhas. São exclusivamente por afinidade de bandeiras de pensamento e isso sai caro. Não apenas para o Banco, que atuará dessa forma fora dos valores profissionais que deveriam reger suas decisões, como para os próprios brasileiros que, na ponta final, bancam essas opções de empréstimo. O demiurgo de Garanhuns, em um rompante de teoria sem base concreta, chegou a culpar o próprio Bolsonaro pelos calotes pretéritos de Cuba e Venezuela. Disse que o ex-presidente, ao resolver cortar a relação internacional com essas nações, acabou sendo o virtual responsável pela pendura da conta. “Eu tenho certeza de que no nosso governo esses países vão pagar porque são todos países amigos do Brasil”, trombeteou durante evento de posse do novo titular do Banco, Aloizio Mercadante, repetindo a velha máxima do “a garantia sou eu”. Não se fazem e são temerários negócios assim. No entender do novo inquilino do Planalto, o BNDES foi duramente difamado por bolsonaristas, em um processo grave movido por narrativas mentirosas durante quatro anos seguidos. Elencou entre as tais fake news a suposta existência de uma “caixa-preta” na instituição, além da fama de ter concentrado financiamentos em “meia dúzia” de empresas convertidas nos campeões nacionais. As alegações não são de todo inverídicas.

Decerto, a busca por portentos empresariais que representassem a excelência do PIB nacional ocorreu de fato. Uma escolha naquele momento que não logrou êxito. Nada disso deveria servir de baliza para os novos desafios que não só o Brasil como o próprio BNDES vislumbram pela frente. Lula torna difícil não apenas a vida do BNDES, como também do Banco Central. Nas últimas semanas, ele resolveu mirar em cheio o presidente do Banco, Roberto Campos Neto, e a aura de independência recém-conquistada pela autoridade monetária. Parece não sossegar nos avanços contra o pilar de autonomia do sistema. Diz que não há explicação para juros tão altos, que a meta de inflação deveria ser mais flexível e que a autonomia é exagerada, sugerindo rever o modelo. Dias atrás, até mesmo a destituição de Campos foi cogitada sob a alegação de que ele não estaria cumprindo com o estabelecido. Dada a reação da banca, a tese refluiu. Mas Lula anda afiado na ofensiva contra muitos. Empresários e o mercado viraram também alvos preferenciais. Para Lula, as tentativas recentes de golpe foram fruto da “revolta dos ricos que perderam a eleição”. É o tipo de metralhadora giratória de reclamações que passa um clima ruim e alimenta rumores e desconfiança. Muitos se perguntam qual o plano por trás disso. Seria o de abafar eventuais carências administrativas, jogar para a torcida dos fiéis apoiadores ou tudo junto e misturado? A economia e o governo Lula estão precisando se entender melhor. Estabilidade é a palavra-chave que galvaniza os interesses dos brasileiros. Falar para a claque e atirar a torto e a direito não tira da frente os problemas. Ao contrário, reforça a confusão. Estão faltando mais pragmatismo, mais ideias propositivas e maior entendimento. O que vem sendo chamado de Lula 3 recebe queixas de estar tentando, em alguns casos, repetir o pior dos erros, equívocos e falhas do período de Dilma Rousseff, que levou o País a uma recessão profunda. Não é por aí que o Brasil sairá do atoleiro.