DEFESA Laércio Forti, dono da Sic Tur, diz que é inocente: “não existe promessa nenhuma e o contrato não prevê a devolução do dinheiro” (Crédito:Divulgação)

As vítimas são idosas, moradoras de cidades do interior de São Paulo e em Minas Gerais e tinham títulos remidos, comprados há 30 ou 40 anos de empresas que administravam serviços de turismo e redes hoteleiras no passado, como o Motel Clube do Brasil, o Motel Clube de Minas Gerais ou o Interpass Club. Os sócios dos clubes tinham direitos a descontos em hotéis e passagens, deixaram de usufruir dos benefícios e tentavam vender seus títulos. Nos últimos cinco anos passaram a ser procurados por representantes de uma agência chamada Sic Tur, que também usava o nome de AI Brasil, propriedade de Laércio Forti, com sede na rua Libero Badaró, em São Paulo. O próprio Laércio ou um de seus funcionários oferecia a possibilidade de reativação do título ou a aquisição de novas cotas de sócio para futura venda e exigia o pagamento de taxas para que o negócio avançasse. As vítimas se animavam com a possibilidade de receber até R$ 200 mil, concordavam em pagar as taxas e, a partir daí, começavam cobranças infindáveis nos seus cartões de crédito sem que houvesse qualquer retorno em dinheiro ou em serviços.

Vários alvos já têm ações cíveis contra Laércio e suas empresas, mas, diante da repetição dos fatos, a promotora Celeste Leite dos Santos, do Ministério Público de São Paulo (MP-SP), abriu uma investigação criminal em janeiro deste ano e protocolou terça-feira 27 uma denúncia na 2a Vara de São Paulo contra Laércio e vários de seus familiares, como a mulher Ednalva, e funcionários por estelionato e associação criminosa. Segundo Celeste, Laércio agia em concurso e unidade de desígnios com várias pessoas e usava empresas diferentes para aplicar os golpes e confundir as vítimas. “Estou denunciando os casos de cinco idosos, que já têm provas plenas da fraude”, afirma Celeste. “Várias das empresas de Laércio são só de fachada”. A primeira denúncia do esquema veio de Francisco Abelardo Júnior, um ex-funcionário da Sic Tur, que enviou uma carta ao MP-SP. A investigação revelou posteriormente, de acordo com Celeste, que os recebíveis dos idosos (renovação do título de proprietário do Motel Clube, participação no sistema de bônus, cartão de benefícios etc) foram negociados com o Banco Safra, que move uma ação em segredo de Justiça contra Laércio e suas empresas por causa de R$ 3,89 milhões em créditos que não foram honrados.

TURISMO Vítimas alegam que pagaram e não tiveram retorno em dinheiro ou em serviços, como se hospedar nos hotéis fazenda da rede oferecida pela Sic Tur (Crédito:Divulgação)

Os valores dos prejuízos dos idosos variam. O caso mais grave é o de Ermínia Gravena, de 95 anos, dona de um título do Interpass Club, que sofreu um desfalque de R$ 250 mil entre maio de 2016 e junho de 2018. Laércio entrou em contato com Ermínia propondo a compra de novas cotas de associada e a partir daí foram feitas cobranças em série no seu cartão. Outra vítima, o contador aposentado Hélio Antônio da Silva Ramos, de 76 anos, foi lesado em R$ 22,2 mil. “Quero reaver meu dinheiro, tentei um acordo no Procon, entrei com ação cível, mas eles nunca se manifestam, o que indica má-fé”, diz Hélio. “Inúmeros idosos sofreram o mesmo golpe”. Em entrevista à ISTOÉ, Laércio diz que nada tem a ver com os passivos do Interpass Club ou do Motel Clube Minas Gerais, do qual foi sócio no passado, e que a ação do MP deriva de informações falsas passada pelo ex-funcionário, que tentava chantageá-lo. “Apenas vendo o contrato para renovar o título, mas muitos clientes não entenderam o negócio direito”, afirma. “Não existe promessa nenhuma e o contrato não prevê a devolução do dinheiro” Laércio se diz presidente da Associação dos Amigos do Interpass Club, que reúne pessoas que se sentiram lesadas ou têm créditos a receber em serviços do Interpass Club.
“A própria Interpass briga com a gente há 15 anos”, diz.

Atendimento

A ação protocolada pela promotora Celeste se desenvolve no âmbito do projeto Avarc (Acolhimento de Vítimas, Análise e Resolução de Conflitos), criado no MP-SP em dezembro de 2018, que visa combater, com mais agilidade, crimes contra pessoas que não têm como se defender. Idosos são considerados vulneráveis e as penas por crimes cometidos contra eles são dobradas. No caso do estelionato, a pena normal varia de 1 a 5 anos mais multa, mas se for cometido contra idosos, vai de 2 a 10 anos. Desde o início do ano, o projeto atendeu cerca de mil vítimas.

“O Avarc abriu um novo canal de denúncias e estamos trazendo mais qualidade no atendimento aos denunciantes”, diz a promotora. “Além de resolver o conflito, nós damos apoio às vítimas pelos traumas causados”. Estelionato é um crime que costuma causar sérios traumas.