Eleito em outubro passado com um forte discurso antipetista e na esteira do bolsonarismo, o governador João Doria (PSDB) passou a modular suas ações e declarações na tentativa de influir no debate nacional. O tucano parou de criticar sistematicamente o PT, se aproximou de governadores de esquerda e adotou uma distância regulamentar em relação a Jair Bolsonaro – e das crises provocadas pelo presidente.
Doria também enxergou uma janela de oportunidade na recente crise entre Executivo e Legislativo – que teve como ápice o tiroteio verbal entre Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) – e adaptou sua agenda à temperatura do momento. Neste caso, a estratégia escolhida foi a de se apresentar como uma voz moderada.
Um dia depois do bate-boca entre Maia e Bolsonaro, por exemplo, Doria recebeu no Palácio dos Bandeirantes o vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB). No dia 23 de março, um sábado, o próprio Maia foi a São Paulo visitar o governador em sua residência.
Nas últimas semanas, o tucano também recebeu o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM), jantou na ala residencial com três ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) – Dias Toffoli, Alexandre Moraes e Ricardo Lewandowski – e, diariamente, se reúne com comitivas de deputados de vários partidos.
O novo figurino destoa do Doria prefeito que chegou a aparecer em eventos públicos com roupa de gari ou bota de carpinteiro – o que gerou críticas mesmo de aliados. A iniciativa de deixar o cargo para disputar o Palácio dos Bandeirantes, a despeito das promessas de que terminaria seu mandato à frente da Prefeitura de São Paulo, foi outra ameaça à imagem de “gestor” confiável que ele sempre ressalta em suas intervenções.
Planalto
Aliados não escondem que no horizonte de Doria está a sucessão presidencial em 2022, tema sobre o qual ele diz não ser o momento de discutir. Nesse trajeto, além da mudança de estilo, Doria quer garantir o controle político do PSDB. O governador deve fazer o novo presidente nacional do partido – o ex-deputado federal Bruno Araújo (PE), no lugar do ex-governador Geraldo Alckmin.
Tenta ainda influir na condução nacional da sigla de forma a dar uma guinada à direita, mirando parte dos eleitores que garantiram a eleição de Bolsonaro à Presidência. A iniciativa tem a oposição de Alckmin e de outros caciques do PSDB, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Na relação com Bolsonaro, ao mesmo tempo em que se apresenta como aliado leal do presidente e defensor de projetos como a reforma da Previdência – Doria diz que vai se empenhar para que a bancada federal do PSDB paulista vote a favor do projeto apresentado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes -, tem mantido uma distância regulamentar do presidente. Em relação à própria reforma, a tese que Doria tem defendido nas conversas com políticos e empresários é que a mudança da Previdência tem de ser articulada com ou sem o Palácio do Planalto.
“Se o presidente deixar espaços em aberto, serão ocupados. Se o presidente não se aproxima do Maia, o Doria se aproxima. O vácuo na política jamais permanece vácuo. Sempre alguém ocupa”, disse o sociólogo Luiz Bueno, professor da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP).
Em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, Doria fala em “tolerância” de ambas as partes. “Tanto o Rodrigo Maia como o Davi Alcolumbre já sabem que eles têm um papel preponderante nesse processo, que é levar adiante a reforma da Previdência, independentemente de lideranças do governo. Sem menosprezar a relação com o governo”, afirmou Doria.
“Depois das rusgas, o presidente Bolsonaro compreendeu que é preciso ter um pouco mais de tolerância nessa relação com o Congresso, sem que isso signifique vilipendiar o seu sentimento. Ele sempre tem dito que não quer o ‘toma lá, dá cá’. Bolsonaro já percebeu que a generalização não é um bom caminho. Às vezes, depois de um choque térmico vem a recomposição em melhores condições.”
Na avaliação do cientista político Humberto Dantas, professor da Uninove e pesquisador da FGV-SP, é natural que Doria se posicione como líder por ser governador de São Paulo. Mas, segundo ele, será preciso aprender com a história de outros líderes locais. “Qualquer governador paulista é candidato a presidente em potencial. Mas nenhum foi eleito desde a redemocratização”, afirmou.
A tentativa de aproximação com outros governadores começou ainda antes da posse. Depois da primeira reunião dos governadores eleitos com Bolsonaro, em novembro passado, o tucano sugeriu a criação de um grupo de WhatsApp para que eles se comunicassem sem a mediação de assessores.
Quatro meses e meio depois, o colegiado virtual segue ativo e com a participação dos 27 governadores. As interações são diárias e versam sobre temas que vão de pautas regionais até a reforma da Previdência. Nessas interações, Doria se tornou o principal mediador mesmo entre colegas de partidos antes atacados por ele. O tucano mantém uma relação amistosa com governadores como Camilo Santana (PT), Wellington Dias (PT) e Paulo Câmara (PSB).
“Doria, que é ligado à área empresarial, ocupou bem esse espaço nacionalmente de mobilizar parlamentares e governadores em torno da reforma da Previdência”, disse o senador e ex-desafeto Major Olímpio, presidente do PSL de São Paulo e líder do partido no Senado. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.