O mais fiel de todos os escudeiros de Luiz Inácio Lula da Silva é um católico de esquerda, formado em filosofia e teologia. Quase um padre – como gostam de lembrar os amigos –, Gilberto Carvalho, chefe de gabinete do presidente da República, é rotulado no jargão da militância esquerdista como um “igrejeiro”, aquele que vem das comunidades eclesiais de base (Cebs) e segue os princípios da Teologia da Libertação. Natural essa relação. Afinal, Lula e o PT devem muito de sua mobilização na periferia dos grandes centros e nos grotões do País ao apoio de bispos e sacerdotes da ala considerada “progressista” da Igreja Católica. Os sindicalistas constituíram a espinha dorsal do partido, estudantes e intelectuais deram apoio, mas o que mais ajudou a trazer votos e a engrossar o número de filiados – principalmente nos primeiros anos de fundação – foi a grande penetração da Igreja junto aos segmentos mais pobres da população.

Não há sinal algum de que o afável e religioso Carvalho vá abandonar o amigo (a quem recebe no aeroporto vindo das viagens e, antes de qualquer outro assessor, lhe faz um relato minucioso de tudo o que aconteceu ). Mas a mesma dedicação e benevolência já não podem mais ser esperadas de ícones da esquerda católica como o cardeal dom Paulo Evaristo Arns, que se diz “triste e perturbado”, e de trabalhadores como Waldemar Rossi, da coordenação da Pastoral Operária de São Paulo, que pediu a desfiliação do PT e agora prega o voto nulo. Da cúpula da Igreja, Lula e o PT já estão mais distantes há algum tempo. Graças à ofensiva do Vaticano para forçar uma inclinação à direita, o espaço da Teologia da Libertação foi esvaziado e a maioria dos bispos nomeados nos últimos 26 anos é moderada ou conservadora. Embora esses setores também tenham aguardado com expectativa o sucesso do governo Lula, boa parte da direção da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) seria mais alinhada aos tucanos.

Estrutura viciada – Na ala esquerda, a política econômica adotada pelo governo já gerava protestos e as denúncias de corrupção pioraram ainda mais a relação. Nota-se entre os “igrejeiros” desânimo e descrença. “Dizer que os trabalhadores estão um pouco desiludidos é generosidade. A insatisfação é crescente, inclusive entre os metalúrgicos de São Bernardo”, atesta Waldemar Rossi, o escolhido para falar com o papa João Paulo II em nome dos trabalhadores brasileiros, em julho de 1980, no estádio do Morumbi, em São Paulo. “Hoje, a posição contrária ao PT e ao governo é amplamente majoritária nas pastorais. E crescente. O partido terá muita dificuldade nas próximas eleições.” Para Rossi, a estrutura partidária de esquerda está viciada. “A parte que se mantém mais radical e comprometida com mudanças se divide. A outra se institucionaliza e se amolda”, sentencia. Rossi e sindicalistas à esquerda da CUT preparam um documento para rebater manifesto que denunciou “golpismo” contra o governo.

Outro amigo e ex-assessor especial do presidente, o religioso dominicano Frei Betto, escreveu recentemente um artigo para a Folha de S.Paulo, no qual afirmou, sem citar nomes, que as pessoas não mudam quando chegam ao poder, mas apenas se revelam. Ele se mantém leal a Lula, mas abandonou o governo em dezembro do ano passado. “Os setores mais próximos ao PT têm sido críticos porque não compreendem as expectativas criadas quanto à redução da desigualdade social, à distribuição de renda, às reformas agrária e trabalhista e, sobretudo, à política econômica”, avalia. Para Betto, houve falha ao se montar um governo só com “a perna direita”, apoiado na governabilidade. “Mas não foi assegurada, com a perna esquerda, a governabilidade pelo grande capital do PT, que eram os movimentos populares. Houve um distanciamento desses setores e é hora de o PT retornar às suas origens”, propõe o religioso. Ele defende mudanças na economia que “favoreçam mais o trabalho do que o capital”. Diz também ver insatisfação de eleitores, mas acredita que entre os líderes da Igreja “há um consenso de que o Brasil é melhor com Lula do que sem Lula”.