Depois de uma breve calmaria, a Turquia voltou a ser palco na semana passada de uma onda de protestos violentos. Desta vez, o estopim foi uma tragédia. Na terça-feira 13, a explosão de uma mina de carvão na cidade de Soma, a 480 quilômetros de Istambul, provocou a morte de ao menos 282 pessoas (o número pode aumentar diante da quantidade elevada de feridos) no maior acidente da história da mineração no país. Não bastasse o choque produzido por um desastre dessa proporção, a população turca indignou-se com a estupidez das declarações do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan.

“Acidentes assim são comuns”, afirmou Erdogan. “Tem uma coisa na literatura chamada acidente de trabalho. Acontece em outros lugares também.” Ele disse isso diante de parentes das vítimas, algumas delas soterradas vivas a dois quilômetros de profundidade e ainda à espera de socorro. A insensibilidade do primeiro-ministro desencadeou uma reação imediata. Um grupo avançou sobre o comboio oficial, o que obrigou o chefe da nação a se refugiar em um supermercado. No mesmo dia, centenas de manifestantes atacaram o escritório do Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP), o mesmo de Erdogan, e prédios públicos foram apedrejados. Na capital Ancara, um ato reuniu milhares de pessoas em frente ao Ministério da Energia, muitas delas carregando faixas que chamavam o primeiro-ministro de “assassino.”

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PROTESTO
Manifestantes atacam escritório do AKP, partido do governo Erdogan (abaixo):
"Acidentes acontecem", disse o insensível primeiro-ministro

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A ira dos manifestantes não foi motivada apenas pelas declarações irresponsáveis de Erdogan. Recentemente, o maior partido de oposição entregou uma petição ao governo solicitando que fossem abertas investigações sobre as condições de trabalho nas minas de Soma, definidas no documento como “degradantes e que colocam em risco severo a vida dos trabalhadores.” Há duas semanas, a petição foi rejeitada pelo governo, que se referiu ao pedido como um “bravata política.” A bravata, porém, custaria dias depois a vida de cerca de 300 turcos. “Em Soma, ocorrem acidentes com mortos a cada três meses”, afirmou Ozgur Ozel, vereador do Partido Republicano, de oposição ferrenha ao governo Erdogan. “Estamos fartos de participar de funerais de mineiros, mas o governo não liga para a dor das famílias.” Segundo o vereador, nas inspeções recentes realizadas nas minas de Soma foram identificadas e denunciadas 66 infrações, mas Erdogan e seus aliados ignoraram as denúncias. “Ele usa o discurso do desenvolvimento, da necessidade de o país produzir riqueza, para justificar o não fechamento das minas”, disse o vereador.

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No poder desde 2003, Erdogan passou a enfrentar uma avalanche de revoltas em junho do ano passado, quando seu governo anunciou a demolição do Parque Gezi, próximo à Praça Taksim, em Istambul, para a construção de um shopping center. A repressão violenta contra os manifestantes – o saldo da ação despropositada da polícia de Erdogan foi de oito mil feridos e cinco mortos – teve um efeito contrário: atraiu mais pessoas para o movimento. Em março deste ano, a morte de um adolescente de 15 anos, que estava em coma há 269 dias depois de ser alvejado na cabeça por uma bomba da polícia durante as manifestações de junho, levaria mais pessoas às ruas. De novo, o primeiro-ministro revelou sua faceta autoritária. Mandou bloquear o YouTube e o Twitter para evitar o alastramento das mensagens de protesto. Eleito democraticamente por duas vezes consecutivas, Erdogan viu nos últimos dois anos sua popularidade despencar graças a medidas como a restrição da venda de bebidas alcoólicas e o investimento em obras faraônicas. A inabilidade para lidar agora com os mineiros de Soma deve ampliar as vozes contra seu governo.

Fotos: Emrah Gurel; Kayhan Ozer; Depo Photos – AP Photo