07/12/2018 - 6:23
Embora a China tente internamente reduzir sua indústria de carvão e a contaminação mortal que acarreta, o principal país emissor de dióxido de carbono do mundo está exportando esta mesma tecnologia a outros países da Ásia e também para a África e o Oriente Médio, segundo um levantamento feito pela AFP.
As emissões de CO2 geradas por estas usinas no exterior poderiam colocar em xeque os esforços globais para limitar o aquecimento global, advertem analistas.
“Internacionalmente, a China continua investindo em uma série de projetos de carvão, em contradição direta com a estratégia energética nacional” de dar as costas progressivamente a esta atividade, afirmou Tim Buckley, diretor de estudos de finanças energéticas no Instituto de Economia Energética e Análise Financeira (IEEFA), nos Estados Unidos.
O carvão representa 40% das emissões de dióxido de carbono (CO2) no mundo e a tendência é crescente, após um declínio entre 2014 e 2016.
Mais de dois quintos da eletricidade no mundo é gerada pela queima do carvão, quase o dobro da produzida com o gás natural e 15 vezes mais que a soma da obtida com as energias solar e eólica.
No mundo, uma em cada quatro usinas a carvão em processo de planejamento ou construção é apoiada por empresas controladas pelo Estado chinês, segundo o IEEFA.
“O risco é condenar estes países a algo que não é bom para eles no longo prazo e que seja incompatível com o Acordo de Paris”, disse Christine Shearer, analista energético da CoalSwarm.
A China tem projetos do tipo em Egito, Nigéria, Quênia, Senegal e Zimbábue, entre outros países, que não têm nem carvão, nem instalações apropriadas. Isto obrigaria, portanto, a construir ou importar, segundo Shearer.
O Acordo de Paris tem como objetivo limitar a elevação da temperatura no planeta a 2ºC e, se possível, a 1,5ºC, com relação à era pré-industrial.
– Auge no sudeste asiático –
Apesar disso, a China tem previsto investir mais de 21 bilhões de dólares na geração de 31 gigawatts (GW) em energia obtida com carvão em uma dezena de países, e pôs sobre a mesa outros US$ 15 bilhões, que produziriam 71 GW em 24 países, segundo o IEEFA.
O mundo conta atualmente com uma capacidade total de 2000 GW, segundo o Global Coal Plant Tracker.
Uma nova leva de usinas de carvão “poderia enterrar as possibilidades de manter o aquecimento bem abaixo dos 2ºC”, disse à AFP Heffa Schuecking, diretora da Urgewald, uma ONG ambiental da Alemanha.
A meta de 1,5ºC requer a quase eliminação do carvão em meados do século, segundo a ONU, ou pelo menos de 60% em 2040 para contar com “um cenário sustentável”, segundo a Agência Internacional de Energia.
O uso do carvão na China – quase a metade do total mundial – vem caindo nos últimos anos, assim como as emissões de CO2, embora as previsões indiquem que ambos vão aumentar em 2018.
No restante da Ásia, a crescente demanda por eletricidade levou a um aumento significativo do consumo de carvão, como em Vietnã, Bangladesh e Filipinas (+ de 20% entre 2014 e 2017), financiado parcialmente pelo gigante asiático.
Outros países, como Coreia do Sul e Japão, também exportam essa tecnologia ao exterior, mas as empresas chinesas estão dispostas a considerar países de maior risco, disse Han Chen, especialista do Conselho de Defesa de Recursos Naturais dos Estados Unidos.
Tudo isso, em um contexto em que as instituições financeiras no resto do mundo começam a dar as costas ao carvão: pelo menos 19 grandes empresas de seguros que representam mais de 6 trilhões de dólares em ativos (20% do total) deixaram de investir no carvão, segundo levantamento da Unfriend Coal Scorecard. O mesmo fizeram bancos, fundos de pensão e organismos multilaterais, como o Banco Mundial.
– A China “pode escolher” –
A China é consciente de que sua exportação da tecnologia de carvão enfrenta críticas crescentes, segundo Laurence Tubiana, presidente da Fundação Europeia para o Clima e ex-negociadora-em-chefe da França na COP21, em Paris.
Especialistas consideram que a China não é obrigada a seguir por esse caminho. “Pode escolher”, disse Oliver Sartor, pesquisador do Instituto para o Desenvolvimento Sustentável e Relações Internacionais de Paris. “É hipócrita limpar a casa e investir no carvão fora”, afirmou.
“O dinâmico setor privado da China – muito implicado nas energias renováveis e nos carros elétricos -, seria um embaixador perfeito para sua influência exterior”, disse Tubiana.
Alguns projetos financiados pela China enfrentaram fortes resistências locais, como a planta Sendou no Senegal e o projeto Rampal em Bangladesh, onde as populações costeiras já foram devastadas pelas mudanças climáticas.
Segundo Renato Redentor Constantino, diretor-executivo do Instituto para o Clima e as Cidades Sustentáveis de Manila, a China poderia escolher apostar nas energias limpas, inclusive no exterior.
“Mas não o fará sozinha. Tem que haver pressão de outros países e da sociedade civil”, afirmou.