Tido como um instrumento antiquado, restrito aos fins de tarde na roça, a viola caipira rejuvenesceu. Hoje, a nova geração usa o instrumento de dez cordas para misturar toada com rock, distorcer o ritmo ponteado com pedais de efeitos e, ao mesmo tempo, tirar do corpo do instrumento sons cada vez mais modernos e eruditos. O movimento serve de resposta à crescente “americanização” da música do interior do Brasil, expressa por Chico César na canção Odeio rodeio, do recém-lançado CD Compacto e simples. “Sinto um certo nojo quando um sertanejo começa a tocar”, diz a letra, atestando a indignação daqueles que viram muitas duplas migrarem para o pop romântico. Fã de Inezita Barroso e Pena Branca e Xavantinho, Chico César critica a padronização do gosto. “O mesmo som domina todos os canais de tevê em todos os Estados, subjugando as culturas autóctones. É tão absurdo quanto festa de rodeio em cidade de praia”, compara ele.

Caminho inverso trilha a nova viola: busca “caipirizar” as salas de espetáculos, os shows de rock e até a universidade. Dessa forma, tem atraído investimentos consideráveis. A Syngenta, líder no mercado mundial de produtos agrícolas, com sede na Suíça, gastou R$ 500 mil no ano passado para lançar um prêmio de composições instrumentais para a viola. As músicas para a segunda edição podem ser postadas até o sábado 14. “Tivemos 176 inscrições no ano passado, todas de obras inéditas”, comemora o diretor de marketing Antonio Carlos Costa. Em sua sétima edição, em 2004, o concorrido Prêmio Visa recebeu 514 músicas instrumentais. Vencedor do Prêmio Syngenta do ano passado, o ex-pedreiro de Caxias do Sul (RS) Sidnei de Oliveira, 24 anos, virou professor de viola em Ribeirão Preto (SP) e já se apresentou na Suíça. É um dos alunos do bacharelado em viola oferecido desde janeiro na USP de Ribeirão. “Partimos do repertório caipira para chegar à viola contemporânea”, diz Ivan Vilela, responsável pelo curso e diretor da Orquestra Filarmônica de Violas de Campinas (SP).

Concerto – A orquestra acaba de lançar seu CD de estréia com a participação das cantoras Ná Ozetti e Suzana Salles. Mas o primeiro violeiro a levar o instrumento para as salas de concerto, inclusive nos Estados Unidos, foi o mineiro Renato Andrade, que está comemorando 35 anos de carreira. Novo fôlego foi dado na década passada por Almir Sater ao conquistar a audiência urbana nas novelas Pantanal e Rei do gado. “De repente, o violeiro não era mais o Jeca Tatu banguela e com verminose, mas um cara bonito, que tocava muito bem”, considera Vilela. O resultado foi uma romaria de jovens para as salas de aula. “Fiquei encantado com a música de Almir, mas demorei dez anos para encontrar uma viola em Caxias do Sul”, diz Oliveira.

O mesmo interior paulista que lançou Tião Carreiro e Pardinho se esmera
agora em unir o universo idílico da viola à pegada “marvada” do rock. Não se
trata de americanizar a toada, mas de brindar com timbres do sertão o heavy
metal e o progressivo. Encabeçado por grupos como Trem da Viração, Fulanos de Tal, Mercado de Peixe e Matuto Moderno, o movimento já ganhou diversos apelidos: rock n’roça, agro-mood, pós-caipira e caipira-groove. “A viola tem muito a ver com o jazz, que nasceu na zona rural como a nossa música caipira”, comenta Ricardo Vignini, do Matuto Moderno, que toca Jimi Hendrix na viola e lança este semestre o terceiro CD da banda, Razão da raça rústica. “Surgimos na época do mangue
beat e trocamos o maracatu por ritmos paulistas”, conta o violeiro Ricardo Polettini, do grupo Mercado de Peixe, que só em 2004 colocou nas lojas o álbum Roça elétrica. Prestes a lançar o CD de estréia, os violeiros Fabiano Mazzilli e Fernando Bergamini, do grupo Os Pamonheiros, acreditam no proselitismo de sua mistura de hardcore e moda de viola: “Conseguimos apresentar a cultura caipira para um maior número de pessoas.”