ESTUDIOSO Reza Aslan diz que tem como missão questionar as ideias adquiridas sobre religião: ele acredita em um deus que se
confunde com a natureza (Crédito:Divulgação)

O historiador iraniano naturalizado americano Reza Aslan, de 46 anos, ficou famoso em 2013 com o livro “Zelota — A Vida e a Época de Jesus de Nazaré”. O sucesso da obra se deve a um argumento ousado: Jesus não passa de um amálgama de beatos que pregavam na Galileia na época do imperador Cláudio. A lenda de Cristo foi formulada 200 anos depois pela igreja romana com o objetivo de integrar e controlar seus seguidores. Aslan agora põe em dúvida Deus, ou a imagem que a humanidade criou para fenômenos divinos. Em seu novo livro, “Deus — Uma História Humana” (editora Zahar), Aslan traça as origens do impulso religioso e como ele resultou nas simbolizações da figura divina ao longo de 350 mil anos — desde o paleolítico. Ao analisar as evidências materiais, prova que não foi o Homo sapiens o primeiro a ter elaborado crenças e representado deuses em esculturas e pinturas rupestres, mas um de seus antecessores, o Homo neanderthalensis. Aslan se baseia em pesquisas atuais que apontam o surgimento de cultos complexos no final do período paleolítico, entre 40 mil e 10 mil anos atrás. Foi então que se fizeram presentes figuras como as do Senhor das Feras, a primeira representação conhecida de um deus. Esse híbrido de animal e xamã fazia parte do cotidiano das primeiras populações humanas. Os arqueólogos encontraram vstígios do personagem em todos os continentes, inclusive entre os hebreus — que descrevem seu deus, Javé, em passagens da Bíblia como Senhor das Feras, entidade sobrenatural que une o mundo natural ao anímico, típica da longa fase de caça e coleta do homem pré-histórico. Ao contrário do lugar-comum, foi o impulso religioso e não a luta pela sobrevivência que incentivou a fundação das primeiras cidades. “As cidades eram teocráticas e foram construídas na Mesopotâmia antes do advento da agricultura”, diz Aslan à ISTOÉ. “Para suprir as necessidades dos habitantes que chegavam às cidades, os sacerdotes governantes organizaram a economia. Foi então que os caçadores nômades deram lugar aos agricultores sedentários.”

“A crença na alma talvez seja a primeira crença na humanidade. Foi ela que levou à crença em Deus” Reza Aslan, historiador

Alma e corpo
Aslan é professor de teologia da Universidade da Califórnia e se diz praticante da “ciência cognitiva da religião”. Ele afirma que a explicação mais plausível para a origem do religiosidade é dada pela seleção natural. Sua teoria demonstra que os seres humanos são dotados de processos mentais elaborados através de milhões de anos de evolução. Os processos os levaram a atribuir vida e movimento a objetos inanimados para dotá-los de alma. Eles criaram uma narrativa eficaz e passaram a transmitir crenças decorrentes desses objetos para outras culturas e gerações. Assim Aslan refuta as explicações tradicionais para a experiência religiosa. Os cultos religiosos não surgiram para levar o homem a se unir à natureza, reverenciar os antepassados, resolver enigmas, enfrentar ameaças nem por substituir o medo pela ilusão. O mecanismo que produz a fé tem outro fundamento. “A religião é resultado de algo muito mais primitivo e difícil de explicar: nossa crença arraigada, intuitiva e inteiramente sensitiva de que somos, o que quer que sejamos além disso, almas encarnadas”, diz Aslan. A crença universal de uma alma separada do corpo posteriormente incentivou o homem a espelhar sua própria imagem em um deus, para poder se comunicar com ele.

A representação divina foi, assim, criação do homem. “Eu defendo que a simbolização de Deus deve ser desumanizada”, afirma. “Minha crença é panteísta. Deus está tudo. Ele é a natureza e a realidade. Ele é você.”