03/04/2018 - 15:22
No Sudão, onde uma seleção feminina de futebol não passa de um sonho distante, Salma al-Majidi sabia que a única maneira de fazer parte de seu esporte favorito seria se tornando técnica no futebol masculino.
Aos 27 anos, Salma é uma pioneira no futebol, se tornando a primeira técnica de um time masculino na África e no mundo árabe.
“Por que o futebol? Porque é meu primeiro e último amor”, afirmou Salma al-Majidi, vestida com roupa esportiva e um véu negro, enquanto comanda o treino do Al Ahly Al Gadaref, na região de Gedaref, ao oeste de Cartum.
“Eu me tornei treinadora porque ainda não há espaço para o futebol feminino no Sudão”, explicou essa jovem mulher, apelidada carinhosamente de “irmã treinadora” pela equipe.
Filha de um policial aposentado, Salma tinha 16 anos quando se apaixonou pelo futebol vendo o técnico da escola de seu irmão treinando uma equipe de crianças.
Salma seguia atentamente os conselhos do professor, seus gestos, a maneira como colocava os cones no gramado durante as sessões de treinamento.
“Ao fim de cada sessão de treino, falava com ele das técnicas utilizadas para ensinar os garotos”, conta à AFP.
“Ele viu que eu tinha um dom para o treino e me deu a oportunidade de trabalhar com ele”, se orgulha. Pouco depois, Salma al-Majidi pôde treinar duas equipes juvenis (Sub-13 e Sub-16) do Al Hilil, um clube de Omdurman.
– Futebol feminino invisível –
Incluída na lista das “100 mulheres inspiradoras” da BBC em 2015, Salma já treinou diversos clubes masculinos (Al Nasr, Al Nahda, Nile Halfa, Al Mourada).
Mounira Ramadan, que apitava jogos masculinos nos anos 1970, é a outra mulher que conseguiu certo reconhecimento na história do futebol sudanês.
Desde 1951, o Sudão é membro da Fifa e foi um dos fundadores, ao lado de Egito e Eritreia, da Confederação Africana de Futebol, conquistando em 1970 o título continental.
Desde a aprovação da lei islâmica em 1983, o futebol feminino sudanês vem enfrentando uma missão praticamente impossível. Seis anos depois da implementação da Sharia, o presidente Omar al-Bashir tomou o poder através de um golpe de Estado apoiado pelos islamitas.
Embora não seja proibido legalmente no Sudão, o futebol feminino está na sombra devido ao conservadorismo social e às tendências islamitas do governo.
“Há restrições para o futebol feminino, mas estou decidida a triunfar”, garante Salma, que sonha em poder treinar um clube fora de seu país, enquanto seus jogadores levantam poeira no campo ao lado.
– ‘Os filhos de Salma’ –
“O Sudão é um agrupamento de tribos e algumas delas acreditam que uma mulher deve ficar confinada ao lar”, explica esta diplomada em contabilidade e gestão. “Tinha um garoto que não queria escutar. Ele me disse que pertencia a uma tribo que acredita que os homens nunca devem aceitar ordens de mulheres”, conta.
Custou alguns meses até que o jovem aceitasse Salma como sua treinadora.
No início, “as pessoas na rua nos chamavam de Filhos da Salma”, lembra Majid Ahmed, atacante da equipe e fã do astro argentino Lionel Messi.
“Na escola temos mulheres professoras, qual o problema de termos uma mulher treinadora?”, questiona.
Criada em família tradicional, foi difícil para Salma ter seus desejos respeitados e aceitos, admite seu pai, Mohamed al Majidi.
Um tio que criticava muito a escolha da sobrinha acabou mudando de opinião ao assistir a um jogo e ver a torcida na arquibancada gritando seu nome (“Salma, Salma!”).
“Esses membros da família agora rezam a Alá para que ajude ela”, diz.
Desde muito cedo, a mãe da treinadora de futebol sabia que sua filha era diferente.
“Ela sempre preferiu vestir calças. Até cruzando a rua ela olhava os garotos jogando bola”, relata Aisha al-Sharif.