Na maior operação conduzida por Raquel Dodge desde que assumiu a Procuradoria-Geral da República, em setembro de 2017, amigos e pessoas próximas ao presidente Michel Temer foram parar atrás das grades na manhã da quinta-feira 29, em um desdobramento de um inquérito em que o próprio mandatário do País também é investigado. A investigação apura suposto favorecimento à empresa Rodrimar, em troca de propina, na edição de um decreto que modificou regras de atuação nos portos brasileiros. A Rodrimar atua no Porto de Santos. Temer negou as acusações em entrevista à ISTOÉ publicada na última semana.

Foram presos o ex-assessor e um dos melhores amigos de Temer, José Yunes; o ex-coronel da Polícia Militar, João Baptista Lima Filho, tido como próximo ao presidente; Antonio Celso Greco, dono da empresa Rodrimar; o ex-ministro da Agricultura e ex-deputado Wagner Rossi, e seu auxiliar Milton Ortolan. As prisões temporárias foram autorizadas pelo ministro Luis Roberto Barroso, relator do inquérito dos portos no Supremo Tribunal Federal.

As circunstâncias que envolveram as prisões, no entanto, não coadunam com os princípios republicanos. Em dois casos, o estado democrático de direito foi ameaçado: na prisão de Yunes, um advogado com mais de 50 anos de profissão, e da de João Lima, conduzido para a delegacia dentro de uma ambulância. “Sempre que intimado ou mesmo espontaneamente, Yunes compareceu a todos os atos para colaborar”, lamentou o advogado José Luis Oliveira Lima, que representa o ex-assessor. No mais, é correto e salutar para a democracia e para o bom combate à impunidade que os fatos sejam investigados, independentemente da patente das pessoas implicadas.

A PGR investiga, por exemplo, se Temer beneficiou empresas que atuam em portos, especialmente a Rodrimar, em troca de vantagens indevidas. Um decreto, assinado pelo presidente em maio do ano passado, aumentou o prazo dos contratos de concessão de áreas portuárias de 25 para 35 anos, podendo ser prorrogado por até 70 anos. A medida teria beneficiado diretamente, segundo a acusação, as atuais empresas concessionárias. O inquérito apura se Temer recebeu propina para assinar o decreto. Ele é o único dos investigados que não foi detido na sexta-feira 29, por ter prerrogativa de foro. Mas a operação, de qualquer modo, atinge no Planalto. Yunes, apesar de ter deixado o Palácio do Planalto em dezembro de 2016, integra o círculo de amigos de Temer. Os dois jantaram juntos na segunda-feira 26.

Repasses ilícitos

Yunes, junto com o Coronel Lima, são suspeitos de intermediarem repasses ilícitos. Delatores da Odebrecht indicaram Yunes como um dos responsáveis por receber propina em nome de políticos do MDB. Em um dos fatos investigados pela PGR, Yunes é acusado de receber um pacote de dinheiro em seu escritório de advocacia em São Paulo. Quando o fato veio a público, ele disse não saber do que se tratava o envelope, destinado a Eliseu Padilha, e se classificou apenas como uma “mula involuntária” do ministro. Já o dono da Rodrimar, uma das empresas beneficiadas com o decreto editado por Temer, também cultiva boa relação com o ex-presidente José Sarney.

O inquérito dos portos foi a grande polêmica da rápida passagem de Fernando Segóvia na direção-geral da Polícia Federal. Em uma entrevista poucos dias antes de ser demitido, Segóvia sugeriu o arquivamento do inquérito por não haver indícios de crimes praticados por Temer. O presidente nega as acusações. Segundo ele, o decreto dos portos, de 10 de maio de 2017, além de se relacionar a todo o sistema portuário brasileiro, é claro ao afirmar no parágrafo terceiro do seu artigo segundo que ele “não se aplica aos contratos firmados antes da vigência da Lei nº 8.630, de 25 de fevereiro de 1993”. Mesmo assim, nos bastidores em Brasília, o clima passou da calmaria à apreensão.