Bárbara Sut já participou de uma montagem de Romeu e Julieta quando estava na escola. Seu papel foi a da Ama, que cuida e protege a personagem principal. “Todas as meninas fizeram a Julieta, mas teoricamente não tenho o perfil do que se espera dessa protagonista”, diz a atriz de 21 anos. Por perfil, leia-se negra. “Itália medieval, uma Julieta negra – é um papel que sempre pensei ser inacessível para mim.”
No musical Romeu & Julieta que estreia nesta sexta-feira, 9, no Rio, com produção da Aventura Entretenimento, Bárbara vive tão intensamente o papel que a arte cumpre seu papel e se sobrepõe a questões como a de raça. E, como a opção do diretor Guilherme Leme Garcia foi a de contar uma história atemporal, o detalhe torna-se ainda mais irrelevante. “Busco uma montagem pop, com toda a liberdade criativa que isso envolve”, conta ele, que há três anos cuida do projeto.
Inicialmente, não seria um musical, ainda que reverberasse em sua memória o uso de canções dos Beatles na montagem de Antunes Filho, de 1984. Aos poucos, as músicas foram se encaixando, mas, inicialmente, apenas uma regra se impunha: só entrariam canções cujas letras ajudassem a contar a história. “Já nesse ponto, o trabalho da Marisa Monte aparecia como opções para as cenas românticas, mas foi quando o Gustavo Gasparani sugeriu que só usássemos canções dela é que tudo se tornou mais claro”, observa Leme.
Além da experiência em musicais (já costurou canções de Gilberto Gil em um espetáculo em sua homenagem), Gasparani conta ainda com uma particular intimidade em relação à obra de Marisa. “Somos colegas de faculdade e acompanhei toda a evolução de sua carreira”, explica ele, candidato natural, portanto, a desvendar os meandros das letras cuidadosamente criadas pela artista, encontrando as conexões com o texto de Shakespeare.
“Marisa canta o amor como poucas pessoas e sua erudição permite que as letras se encaixem naturalmente no ritmo da dramaturgia”, explica Gasparani, entusiasmado também com a opção do diretor musical Apollo Nove em conferir um tom operístico aos arranjos, ressaltando um lado dramático como pouco se observa em musicais.
Foi esse detalhismo que inspirou os demais aspectos de espetáculo. Os cenários, por exemplo, são criação de Daniela Thomas, uma das mais originais profissionais dessa área. Trabalhando pela primeira vez em um musical (“Fiquei impressionada com a capacidade vocal do elenco”), ela recriou uma Verona que tanto faz alusão à Itália do século 16 como traz aspectos da atualidade. “A intenção era que cada cena tivesse o aspecto de uma pintura”, explica.
Para isso, é decisivo o desenho de luz elaborado por Monique Gardenberg e Adriana Ortiz, que joga com o claro/escuro necessário para representar o estado de espírito dos personagens. E também os figurinos elaborados pelo estilista João Pimenta, que desfila suas criações na São Paulo Fashion Week. É excepcionalmente feliz e original uma das peças criadas para uma cena de Julieta: surgindo primeiro com a função de lençol de cama, o tecido é preso ao corpo da atriz e se transforma em uma elegante e elaborada capa. Em outro momento, o da festa na casa dos Capuletos, os rapazes surgem vestindo vistosas ceroulas com a intenção de chocar os presentes.
Como se trata de um musical, a coreografia (elaborada por Toni Rodrigues) depende das cenas de luta, elaboradas por Renato Rocha, também um desenho de movimentos. Para que esse conjunto resulte em uma encenação coesa, a atriz Vera Holtz foi convidada para preparar o elenco. Trata-se de um importante detalhe, como observam os próprios atores.
“O ponto de partida é uma atemporalidade, mas não podemos fugir dos hábitos e costumes da época em que se passa a história”, observa Ícaro Silva, que vive Mercuccio, um dos principais amigos de Romeu. “É um musical, mas não há excesso de canções, ou seja, temos longos momentos marcados apenas pela representação.”
Elogiado por sua atuação em S’imbora, o Musical – A História de Wilson Simonal (2014), entre outros trabalhos, Ícaro optou pela androginia nos gestos e no vocal ao compor seu Mercuccio, o que transforma o personagem em um sujeito essencialmente sensual. A lista de parceiros de Romeu se completa com Benvoglio, vivido por Bruno Narchi. É a fidelidade ao amigo o grande trunfo do ator, pois a paixão por uma garota da família rival transforma Romeu Montecchio em um ser superior. “Ele simboliza o homem moderno, que se coloca acima de rivalidades sem fundamentos”, observa Thiago Machado, ator que solidifica sua carreira com grandes papéis.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.