14/01/2018 - 8:26
Quando ainda estava prestes a concluir o ensino médio, a engenheira Débora dos Santos Carvalho, à época com 17 anos, mal sabia o que era uma universidade. Aluna de uma escola estadual na periferia de Porto Alegre em 1998, o assunto não era prioridade na sala de aula. “Não se tem muitas expectativas para os alunos mais pobres, ainda mais sendo mulher e negra. Universidade não era um tema na periferia. Não me encorajaram para trilhar esse caminho.”
As dificuldades de Débora para chegar ao ensino superior são vistas nos dados da elite do Enem. Negras têm as piores notas nas quatro áreas cobradas na prova objetiva. Em Matemática, por exemplo, a média foi de 444 pontos, quase 30 pontos menor que a de mulheres brancas, de 473,3. Além disso, apesar de serem 34% dos candidatos à prova, representam só 6% das melhores notas.
“As meninas negras acumulam duas dificuldades: são meninas e são negras”, diz a presidente do Movimento Todos pela Educação, Priscila Cruz. Ela explica que esse é o grupo sobre o qual as escolas têm menos expectativa de sucesso, o que influencia na motivação das garotas para estudar. Como sempre foi uma das melhores alunas e se destacava nas Exatas, uma professora aconselhou Débora a buscar um curso técnico – mas não uma universidade.
Ao notar que essa poderia ser sua melhor oportunidade, aceitou a proposta. Prestou vestibular na instituição e passou em sétimo lugar. Em paralelo aos estudos, conseguiu um estágio em uma empresa de saneamento municipal. Foi ali que notou, pela primeira vez, que não estava feliz. “Eu via os engenheiros trabalhando e pensava: é isso que eu quero ser.”
Débora então conseguiu uma bolsa em um cursinho e, dividindo o tempo entre trabalho e estudo, foi aprovada em duas universidades – estadual e federal do Rio Grande do Sul. No meio da graduação, ainda conseguiu transferência para a Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), em Engenharia Ambiental, onde concluiu um mestrado recentemente. Hoje ela se prepara para fazer doutorado e estagiar em uma universidade na Alemanha. Estar no meio universitário, no entanto, não facilitou as coisas. “Eu tinha notas muito boas nas disciplinas específicas, por causa da minha experiência no curso técnico, mas no ciclo básico, por causa da precariedade do ensino que tive, tinha dificuldade”.
Ela também diz ter sofrido preconceito. “Há sempre um estranhamento às mulheres negras no meio acadêmico. Viviam perguntando se eu era mesmo brasileira. Tinha gente que chegava a perguntar para qual setor da universidade eu trabalhava, por achar que eu não era aluna”, diz a engenheira.
Débora foi uma das estudantes contempladas pelo programa federal Ciência sem Fronteiras, e assim fez o primeiro contato com uma universidade alemã. Em um evento sobre o programa, em Brasília, se emocionou. “Nasci mulher, negra e pobre. Nasci para contrariar estatística.”
Meninos
O desempenho dos meninos negros surpreende por se parecer muito com o das mulheres brancas no Enem. Entre as mil melhores notas, eles representam 15,7%, enquanto elas são 18%. A nota deles também é maior que a das brancas em Matemática e Ciências da Natureza. Segundo o ex-presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (Inep), Reynaldo Fernandes, isso pode ser explicado pelo fato de os meninos negros abandonarem mais a escola. Atualmente, 16% dos meninos negros de 15 a 17 anos estão fora da escola. “Os piores alunos negros já desistiram da escola. Os que ficaram e fizeram Enem são os mais estudiosos”, diz.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.