03/01/2018 - 8:00
O ano era 2010. O mês era agosto. O paulistano Eduardo L’Hotellier, à época com 26 anos, estava à procura de um profissional de pinturas de paredes para um trabalho em seu apartamento. Formado em engenharia de computação, representante legítimo da “Geração Y” – totalmente globalizada, marcada pelo avanço da tecnologia desde a infância -, L’Hotellier recorreu à internet para buscar pelo pintor.
Depois de muito tempo de pesquisa virtual, ele conseguiu contratar o serviço. Contudo, o trabalho executado ficou muito abaixo do esperado. A demora para encontrar um profissional específico aliada à baixa qualidade da execução da empreitada alertaram o jovem L’Hotellier que aquele poderia ser um nicho de mercado interessante. “Percebi que a internet estava cheia de sites para compra de cupons e produtos, mas não havia nada que solucionava o problema de contratar prestadores de serviços com confiança”, conta.
Dois meses depois, L”Hotellier lançava no mercado o GetNinjas, que, agora, sete anos após o lançamento, é o maior aplicativo de intermediação de serviços da América Latina. Mais: o GetNinjas foi eleito pela revista Forbes Brasil como uma das empresas mais promissoras do País. O “pulo do gato” de L’Hotellier foi, além de resolver apostar no negócio, comprar um protótipo de site na Índia por pouco mais de dois mil reais, plataforma esta que buscava unir as demandas simultâneas de clientes e profissionais do setor de serviços.
“A ideia era casar as habilidades de uns com as necessidades dos outros”, diz o CEO. Bingo! Tudo deu tão certo que atualmente o aplicativo já arrecadou 47 milhões de reais em investimento e soma mais de 250 mil profissionais cadastrados em diversas categorias, entre pedreiros, eletricistas, diaristas e professores particulares. A GetNinjas ultrapassou a marca de 100 mil orçamentos por mês entre todas as categorias. A empresa tem colaboradores espalhados em mais de 3 mil cidades do Brasil, dois milhões de serviços executados e mais de 300 milhões de reais em transações realizadas.
O aplicativo nasceu grande para um mercado gigante. O setor de serviços no Brasil é equivalente a quase 70% do PIB nacional e movimenta cerca de R$ 200 bilhões por ano. O propósito do CEO da GetNinjas de criar um exército de profissionais da área de serviços para socorrer milhares de outras pessoas no dia a dia, com serviços baratos, presteza e com qualidade na execução da mão de obra, é um movimento que está dentro de uma conjuntura econômica mais ampla que vem sendo descrito no mundo como a principal tendência econômica do século 21 — a chamada “Economia Colaborativa”.
Economia criativa reduz desperdícios
Pelas redes, plataformas aproximam pessoas, conectam desconhecidos com interesses e necessidades comuns e permitem fechar negócios. Negócios que somam bilhões de dólares anuais pelo mundo. “Os aplicativos facilitam o compartilhamento e a troca de serviços e objetos numa escala sem precedentes. Por essa razão, a economia colaborativa tem o poder de reduzir o desperdício, aumentar a eficiência no uso dos recursos naturais e combater o consumismo”, atesta Neusa Santos Souza, professora de Economia Criativa da ESPM. “É uma mudança de comportamento. Não é uma moda. A economia colaborativa é um movimento que veio para ficar”, conclui Neusa.
Com efeito, atualmente é possível economizar e lucrar com esse movimento classificado pelos especialistas em negócios de “ganha-ganha”. Os defensores desse novo modelo econômico são categóricos em afirmar que a principal certeza desse negócio é que todos lucram. “As pessoas estão no centro dessa transformação econômica ora fazendo bicos nas horas vagas, ora compartilhando de tudo: de veículos a furadeiras, de imóveis a espaços de trabalho; trocando objetos, como livros, armários e roupas”, diz Camila Carvalho, uma ex-modelo que resolveu abandonar as passarelas para empreender.
App de trocas entre vizinhos tem 150 mil usuários
Criadora do aplicativo “Tem açúcar?”, uma plataforma que conecta pessoas dispostas a compartilhar objetos e bens entre a vizinhança, Camila aposta na rede de colaboração local como estímulo à economia das famílias no dia a dia. “Essa nova organização da economia mundial facilita a troca de produtos e serviços, sem focar o lucro”, garante ela. Fundado em 2014, hoje o aplicativo “Tem açúcar?” alcançou o patamar de maior rede colaborativa de vizinhos da América Latina. A plataforma soma mais de 150 mil usuários espalhados por cerca de dez mil bairros pelo Brasil. “Estamos diante de um novo ciclo de relações econômicas que mudou a cultura de consumo”, avalia a CEO.
Segundo Camila, um dos papeis do site é difundir um consumo mais consciente, ajudando a evitar compras desnecessárias. “O objetivo dele é realocar recursos que existem, mas muitas vezes estão ociosos, passando de onde eles são abundantes para onde são escassos”, afirma. “O planeta não aguenta o volume de produção atual. Você gasta muita matéria-prima e energia com transporte e produção de produtos”.
Para a empreendedora, é importante diferenciar o que realmente necessário do que é somente um capricho, na hora de comprar. Além disso, o site busca trazer de volta o “sentimento de comunidade”, deixado de lado em cidades grandes. A ideia é despertar uma sensação de interdependência entre os vizinhos e aproximar as pessoas. Em um cenário ideal, diz Camila, o “Tem Açúcar?” não seria sequer necessário: bastaria bater na porta ao lado e fazer essa pergunta.
Pesquisa comprova interesse na economia compartilhada
Nessa mudança comportamental, as pessoas não buscam mais por bens, mas pelo acesso a eles. Para se ter uma ideia do sucesso dessa nova realidade, 79% dos consumidores brasileiros acreditam na economia compartilhada, de acordo com pesquisa do Serviço de Proteção ao Consumidor (SPC) e da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL). “É uma nova sociedade de consumo”, diz Camila, que complementa. “A ordem é desapegar.”
A consulta aos brasileiros mostra que o consumo colaborativo vem crescendo no país. Segundo dados da enquete, a hospedagem em casa de terceiros é uma das formas mais conhecidas de consumo compartilhado e foi apontada por 40% dos entrevistados como uma das mais usadas. As caronas para o trabalho ou a escola (39%), o aluguel de roupas (31%) e o de bicicletas (17%) são as demais formas de consumo compartilhado mais buscadas pelos brasileiros. “O consumo colaborativo é uma poderosa força econômica e cultural em curso capaz de reinventar não apenas o que consumimos, mas principalmente a forma como consumimos as coisas”, afirma Eduardo Baer. CEO da DogHero, um aplicativo criado para hospedagem de cães.
Um detalhe interessante que unifica a quase totalidade dos empreendedores que se lançam no mercado de startups da economia colaborativa é que, na maioria, trata-se de jovens arrojados dispostos a investirem na criação de plataformas a partir de necessidades pessoais. O caso da DogHero é um exemplo clássico dessa lógica.
Do Vale do Silício para o Brasil
Há três anos, o administrador de empresas Eduardo Baes terminava o mestrado na Universidade em Stanford, nos EUA, e de “mala e cuia” para o Brasil acalentava um sonho antigo de ter um cachorro como companheiro em casa. Porém, como era solteiro, vivia um dia aqui outro acolá em viagens, não tinha com quem deixar o peludo. Da vivência no Vale do Silício, na Califórnia, onde existem centenas de aplicativos para facilitar o cotidiano das pessoas, Baer desembarcou em solo brasileiro disposto a criar um aplicativo que resolvesse casos como o dele.
Lá na “terra do Tio Sam”, ele conheceu a Dog Vacay, um serviço que conectava os donos de cachorros a pessoas interessadas em hospedar pets por pouco dinheiro. Detalhe: com o carinho e os cuidados de tratar os cãezinhos como se fossem dos próprios anfitriões. De acordo com Baer, as pessoas da Dog Vacay adoravam receber os animais e os tratavam melhor que os hotéis especializados. “Percebi que poderia fazer isso no Brasil e ter muito sucesso”, afirma.
Foi daí que surgiu o projeto de construir uma plataforma que colocaria lado a lado os donos de pets e amantes dos animais dispostos a hospedá-los. Funciona assim o aplicativo: os usuários que desejam deixar seus cachorros com um dos “heróis”, os anfitriões, acessam a página da DogHero e o site intermedeia as reservas. Os usuários informam o próprio endereço e as datas que precisarão do serviço de hospedagem. A DogHero mostra os cuidadores mais próximos do dono do animal, com informações de preço e avaliações de outras pessoas que deixaram seus cães com eles.
Renda extra
A média da diária dos cuidadores é de R$ 50,00, mas cada anfitrião tem a liberdade para estabelecer o preço que quiser. “O diferencial do negócio é que o pet é tratado com o carinho da casa e não em uma gaiola com outras dezenas de animais”, atesta Baer. Em três anos, a DogHero já está em 650 cidades do Brasil e tem 15 mil anfitriões cadastrados. Aos 70 anos, dois filhos e duas netas, Rose Mary Roterto há três anos engorda em cinco mil reais sua conta bancária com dinheiro vindo do aplicativo, que virou sua principal fonte de renda. “Sou cachorreira. Faço o que amo de paixão e tiro meu sustento. Coloco os cãezinhos até para dormir em minha cama”, diz Rose.
Evidentemente, tanto quem oferece um serviço ou trabalho quanto quem contrata assume riscos. Mas com o crescimento dessa prática, naturalmente, surgem mais mecanismos de salvaguardas despertando mais confiança entre seus usuários. O importante nas relações via aplicativos é a confiança que os prestadores de serviços têm que estabelecer com os potenciais clientes.
Por isso, é fundamental, que os usuários publiquem os feedbacks sobre a execução dos trabalhos nas páginas do site. “É uma reinvenção do modelo de trabalho, que chegou para aumentar os ganhos dos trabalhadores e a liberdade de atuação”, avalia Tallis Gomes. Criador do Easy Taxi e hoje à frente do Singu, uma plataforma de beleza e bem-estar que conecta consumidores aos prestadores de serviços de manicure, depilação e massagistas. O Brasil é o terceiro pais no mundo em gastos pessoais em beleza. Segundo a britânica Mintel Group, cosméticos e produtos de limpeza mostram curvas de crescimento consistentes. Para o setor de cosméticos, a projeção é de alta de 10,2% ao ano até 2019, quando o mercado pode chegar a R$ 107,3 bilhões.
A massagista e manicure Fabiana Ramalho, 35 anos, mãe de cinco filhos, é um exemplo de uma trabalhadora da economia colaborativa. Ela trabalhava em salões de beleza há anos, mas estava infeliz, principalmente, pelo salário e a jornada de trabalho. Ela afirma que há um ano sua vida mudou incrivelmente para melhor depois que se cadastrou em um aplicativo para trabalhar de manicure. “Hoje, ganho cerca de cinco mil reais mensais, fico muito mais tempo com meus filhos e tenho uma vida mais planejada”, conta.
O certo é que esse novo modelo de consumo inverte a lógica de utilização de bens e a prestação de serviços. Em vez de comprar tudo o que você precisa ou recorrer a grandes empresas na hora da compra, as pessoas compartilham, alugam ou dividem os bens com outras pessoas.
Em uma das obras mais lidas sobre o tema – The Zero Marginal Cost Society – o autor, Jeremy Rifkin, coloca que o capitalismo será ultrapassado pela economia colaborativa. Ele faz algumas previsões: os lucros das empresas irão diminuir consideravelmente, os direitos de propriedade ficarão cada vez mais enfraquecidos e a economia baseada na escassez dará lugar à economia em abundância. De acordo com o autor, caminhamos para uma sociedade pós-consumo, na qual a propriedade das coisas deixará de interessar. Todos os executivos entrevistados nesta reportagem são unânimes em assegurar que a economia do compartilhamento é uma nova forma de capitalismo, com serviços mais focados na criatividade e relação diferente com o consumidor.