03/10/2017 - 9:00
Criar filhos, não é uma tarefa fácil, requer amor, renúncias e trabalho; muito trabalho. A labuta é diária e árdua. A incumbência tem um peso ainda maior para as mães sozinhas – as chamadas “mães solos”. Muitas delas “caem” da cama ainda na madrugada e dão início a uma jornada média de 16 horas de luta em atividades como ajudar no dever de casa das crianças, cuidar da casa e das roupas.
Assista a depoimentos de mães solo
Os afazeres de uma mãe sozinha são tamanhos que muitas vezes elas deixam de se cuidar como mulheres, diz a paulista Maíra Campos. Aos 37 anos, a gerente de RH revela que desde que se separou do marido – que, segundo ela, rejeitou assumir o papel de pai – e com a filha pequena para cuidar, foi obrigada a trocar os cuidados com o próprio corpo pela dedicação exclusiva à criança e à casa. “Não conseguia me ver bonita, perdi muito da minha vaidade”, diz Maíra, mãe de uma menina de 9 anos. “Olhava para o espelho somente quando precisava limpá-lo”, revela.
“A mãe solo assassina todas outras mulheres que existem dentro dela”, afirma a ilustradora Thaís Leão, que há três anos criou a página “Mães solo” no Facebook. A ideia inicial da página era contar em tirinhas de desenhos o dia a dia nada glamoroso do cotidiano materno. O canal deu tão certo que as tirinhas viraram livro e ela ganhou status de influenciadora digital. Atualmente, Thaís contabiliza mais de 75 mil seguidores que debatem a realidade das mães solitárias.
A intensa rotina de trabalho na criação dos filhos de Maíra e Thaís não são exemplos isolados do cotidiano de uma família chefiada por mulheres. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 57,3 milhões de lares no Brasil têm uma pessoa do sexo feminino à frente da tomada decisões. Ou seja, em 38,7% das casas brasileiras são elas que mandam. Esses números equivalem a um aumento de cerca de 30% em relação a 12 anos atrás. Um raio-x mais preciso do levantamento social mostra que em duas em cada dez famílias brasileiras, são as “mães solos” que estão à frente de tudo.
Essas mães, além de terem uma vida exaustiva, convivem em casa ou fora dela com assédio, ameaças e preconceito. A vida da blogueira Camila Teixeira, 36, é um retrato sem cores dessa realidade. Assim que ela anunciou ao marido que estava grávida, ele a colocou para fora de casa, além de exigir teste de DNA para comprovar se era mesmo o pai. “Depois de o exame dar positivo, o cara não assumiu a paternidade e desapareceu”, conta ela. “Foi uma loucura. Passei a vida inteira pensando na gravidez e de uma hora pra outra você se vê descasada e vivendo uma gestação solitária”, lembra. “Apesar de saber onde vivemos, ele não liga para saber da filha nem mesmo no aniversário da criança”, conta Camila.
As histórias de abandono, hostilidade e preconceitos abraçam mães sozinhas de todas idades, condição social e credo. Para aproximar de outras mulheres na mesma situação, Camila criou também no Facebook o “Diário de uma mãe independente”. Na página, ela reuniu em torno de seus posts depoimentos de uma legião de mães solos que se ajudam a enfrentar o cotidiano. “Minha ideia é superarmos os desafios e os problemas com independência para seguir a vida”, diz.
A jovem mineira Lila Santos, 26, também faz parte desse contingente de mães cujos filhos os pais “abortaram vivos”. Mãe de um menino de quatro anos, ela é uma habitué das redes sociais de mães solos na internet. Um dos motivos que levaram Lila a participar de diversos grupos na rede é se unir a outras mulheres e lutar para por fim ao preconceito da sociedade com as mães sozinhas. O termo “mãe solteira”, usado frequentemente para descrever mães que criam sozinhas seus filhos, é visto negativamente por Lila. “Esse termo é horrível. Mãe não é estado civil. Mãe é mãe. Ponto!”, desabafa. “Mães criam filhos, acompanhadas ou não, independentemente de registros”, diz.
O dos diversos grupos que debatem o tema tem reverberado na sociedade e conseguido mudar conceitos e comportamentos. “Estamos, por exemplo, suspendendo a comemoração dos dias dos pais em diversas escolas”, afirma a empresária Camila Teixeira. “A data festiva é uma agressividade aos filhos de pais que não assumiram as crianças”, explica.
O cotidiano escolar, aliás, é uma das grandes barreiras que as mães sozinhas enfrentam no dia a dia, claro, além do preconceito. “Todas as escolas deveriam ter o dia da família e não de mães e pais. Muitas famílias hoje em dia são constituídas de diversas formas que fogem do “tradicional”, avalia Camila Teixeira. “Temos a obrigação de fazer com que a criança sinta se segura e protegida, buscando eliminar qualquer traço de rejeição”, finaliza ela.
O elemento que unifica a luta da Camila, da Lila, da Maíra, da Thaís e de cerca de 11 milhões de mulheres espalhadas pelo Brasil é a luta contra o preconceito. Segundo elas, muitos homens veem essas mulheres como “fáceis” por estarem sem parceiros. “Os julgamentos machucam”, afirma Maíra. “O machismo é nosso maior inimigo”, complementa.
Para Lila, o que boa parte dos homens não consegue perceber é que as mães solos não estão atrás de um pai para as crianças, mas sim de carinho, atenção e amor. “Os caras acham que queremos arrumar marido”, diz. A ilustradora Thaís vai além da ideia de apenas acabar com o uso do termo “mães solteiras”, como muitas ativistas defendem. “A gente tem que mudar completamente a percepção do que é ser mãe, pai, filho”, alerta. Para ela, a luta contra o preconceito com as mães sozinhas passa por desromantizar a maternidade. “O clima de romance em torno da maternidade perpetua o massacre que é o cotidiano da mulher, que sofre com muitas batalhas dentro de casa”, explica.