‘Rodovia do medo’ está abandonada

As chamas lambem as laterais dos caminhões que seguem pelo asfalto da BR-153, nas proximidades de Gurupi, em Tocantins. É tempo de seca no cerrado. O fogo descontrolado avança sobre as touceiras do mato que não deveriam estar ali, sobre os acostamentos. Um após o outro, motoristas mergulham na cortina de fumaça que encobre a estrada e turva a visão. São buracos por todo lado, falta de sinalização, curvas perigosas, incêndios, assaltos e acidentes constantes, muitos deles fatais. A viagem pela Belém-Brasília é uma loteria, um jogo de azar.

O roteiro diário que compõe o traçado da BR-153 entre Goiás e Tocantins explica por que caminhoneiros passaram a usar a alcunha de “Rodovia do Medo” para se referir à principal estrada de ligação das regiões Sudeste e Norte do País. Em estado de abandono, a Belém-Brasília está hoje a milhares de quilômetros de distância daquilo que se planejava para essa rodovia há exatamente três anos, quando foi concedida para a iniciativa privada, em setembro de 2014.

O Estado percorreu todos os 625 quilômetros da estrada que, até o mês passado, estava sob o comando da Galvão Engenharia, empresa que comemorou a vitória de seu leilão de concessão com uma oferta de pedágio 46% menor que aquela sugerida pelo governo. O compromisso assumido pela companhia era o de injetar R$ 4,2 bilhões em obras de duplicação e melhorias entre os municípios de Anápolis (GO) e Aliança do Tocantins (TO).

Praticamente nada foi feito. Enterrada na Operação Lava Jato, a Galvão Engenharia não conseguiu o financiamento bilionário que havia acertado com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). No mês passado, depois de três anos de paralisia, o governo decretou a caducidade do contrato e, pela primeira vez na história, tomou de volta uma concessão rodoviária. Para os usuários da rodovia e os municípios cortados pela estrada, ficaram os riscos, a deterioração, a paralisia dos investimentos e a frustração de um desenvolvimento que não veio.

O asfalto de péssima qualidade, lançado em camada muito fina ao longo de todo o traçado, está com buracos em diversos trechos, principalmente no Estado do Tocantins. O movimento intenso de caminhões abarrotados de toneladas de carga tem deformado boa parte do pavimento, criando bolhas de asfalto por todo lado.

Os acostamentos estão cobertos pelo mato e boa parte virou terra. Em certos trechos, não existem mais. A única base de fiscalização do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) que existe no trecho está abandonada. A balança de fiscalização de peso está fora de operação.

É sobre essa realidade que circulam, por dia, cerca de 60 mil veículos. Desse total, 18 mil são caminhões com mais de quatro eixos, todos carregados com grãos ou produtos acabados que circulam pelo eixo rodoviário central do Brasil.

No ano passado, a Confederação Nacional dos Transportes (CNT) analisou as condições do trecho concedido. A avaliação do pavimento, da sinalização e da geometria do traçado concluiu que 80% da estrada tinham situação classificada como regular, ruim ou péssima, 18% estavam em bom estado e nenhum centímetro de asfalto estava em ótimas condições.

Comboio

“Essa aqui é a Rodovia do Medo. Nunca ouviu falar?”, pergunta o caminhoneiro Sydney Fausto dos Santos. Duas vezes por mês ele passa pela estrada com um caminhão “cegonha”, carregando cerca de R$ 1 milhão em carros zero-quilômetro, fabricados na região do Grande ABC, em São Paulo. “Aqui, fora os assaltos, é o povo que quer te matar, que quer pedágio. Você vê de tudo, está abandonado. E se você chegar na polícia e falar, ela diz que não pode fazer nada porque está só na guarita”, diz.

Por conta dos assaltos frequentes, os caminhoneiros praticamente pararam de viajar à noite pelo trecho. Aqueles que ainda se arriscam pelo caminho fazem suas viagens em comboios. Dormir nos estacionamentos de postos de gasolina também está arriscado, dizem os caminhoneiros, por causa de assaltos que têm ocorrido com frequência. Durante todo o percurso, a reportagem passou por alguns postos de fiscalização da polícia, mas em nenhum deles havia abordagem pelos policiais.